sexta-feira, 30 de julho de 2010

CENAS BREJEIRAS VI – AS SECAS DO BREJO

CENAS BREJEIRAS VI – AS SECAS DO BREJO


Enoque Alves Rodrigues

1970...1971...1972. Anos difíceis, aqueles. A longa estiagem grassava o norte das Minas Gerais. Ouvia-se ao longe apenas e tão somente o estalar de mamonas e a cantiga triste da cigarra brejeira, lá nos confins do tórrido e esturricado serrado.
O brejeiro, coitado, já não sabia mais a quem recorrer. Novenas e mais novenas, dirigidas aos deuses da chuva, saiam de quase todas as casas, cruzavam as ruas do Brejo das Almas, em direção a velha Matriz, onde eram recepcionadas pelo Padre Silvestre.
Em Francisco Sá, Brejo das Almas, fenômenos sobrenaturais processavam-se, incompreensivelmente. Cidadezinha banhada por vários rios, inclusive em sua maioria, com nascentes dentro do município, e pelos inúmeros brejos que inclusive dão-lhe o nome de batismo, agora o que se via era somente seca. Lagoas lindas e atrativas que faziam a alegria da gente brejeira, e de forasteiros que acorriam ao Brejo para banharem-se em suas águas, como a “da barra”, “das pedras”, “do tabual” e rios como “caititu”, carrapato”, “verde”, “são domingos”, “gorutuba”, “dois riachos”, estavam secando. Definitivamente os deuses da chuva não estavam nem ai para a gente do norte de Minas naquele triênio.
Enquanto isso, no povoado de “Lagoa Seca”, na Fazenda de Darcy Bessoni, o meeiro Manoel Rodrigues, ou Mané da Quitéria, pelejava contra uma dúvida cruel que assim como a seca, calcinava-lhe os cérebros.
Previdente, havia retirado da ultima colheita, doze cumbucas grandes de sementes de arroz, feijão e milho para semear na atual safra. Mas a chuva não vinha e a barriga roncava. Os quatro bacuris e Quitéria, pressionavam-no:
- Mané, você não está vendo que neste ano não vai chover por aqui? Estamos em agosto, homem. Veja o céu como está. É melhor a gente comer logo estes grãos e matarmos a nossa fome do que você enterrar no chão e não vingar ou deixar guardado para caruncho consumir tudo!
- Mané, coitado, olhava para cima e não via nenhum sinal de chuva e lamentava: Céus, quando é que vamos ter pelo menos um pouco de chuva para acabar com essa agonia?
- Não teve jeito. Entre a pressão de Quitéria e o ronco famélico da barriga dos bacuris, a falta de perspectivas de chuvas e a ameaça dos carunchos, ele, por certo, optou por comer os grãos. Decisão inteligente, certo?
- Errado!!!
- Ainda saboreavam a ultima refeição com os grãos quando o tempo virou. Densas nuvens, carregadas de água que há muito não visitavam aquelas plagas, agora, pesadas, pareciam arrastarem-se ao chão. Dali a instantes o toró despencou-se. Água por todos os cantos. Jamais, antes chovera tanto naquela região. As Lagoas Secas que dão nome ao lugar transbordavam-se.
- Assentado próximo a soleira, encontramos agora o nosso Mané com o queixo entre as mãos em forma de conchas, triste e acabrunhado, a observar a chuvarada que caia lá fora. Em seu recôndito, com toda certeza amaldiçoava os deuses da chuva. Ainda meditava sobre a sua falta de sorte, pensando, por certo no que faria dali por diante, quando, eis que um locutor da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, sacudindo um guizo, anuncia a plenos pulmões, em seu velho rádio ABC que mais parecia a um caixote de abelhas:
- “Alô...Alô, meus queridos lavradores do norte das Minas Gerais. Se vocês ainda não plantaram, vamos plantar! Levantem da cama... Mexam-se...A meteorologia informa que as chuvas que estavam atrasadas nesta região, vão voltar com tudo! Daqui até dezembro, é só chuva e sol. Você, produtor, terá todas as razões para sorrir de orelha a orelha. Vai ser a melhor safra que você poderia colher, talvez em toda a sua vida! Colheita melhor que esta você não terá nunca mais!”. Para incrementar sua fala, o tal locutor finalizava com a música “Meu Irmão da Roça”, gravada em 1972, por Leo Canhoto & Robertinho: “Nazareno do olhar meigo e puro; amparai nosso querido lavrador. Dái a ele muita força para a luta; dái a ele esperança, paz e amor”.
Não foi possível ao nosso querido Mané segurar a barra! Tomado por fúria repentina, frustrações e desilusões, sentia-se ali, diante do rádio, o personagem principal daquelas que para ele seriam gozações e ironias do locutor. Chegaram tarde demais os berros de Quitéria para que ele não espatifasse o pobre rádio na parede, depois de proferir esta frase:
- “Seu locutorzinho de uma figa... Vai tirar sarro da sua mãe, seu FDP”.
É...
Por vezes, dizia Sêneca, não existe vento favorável para quem não sabe aonde quer chegar.
Enoque Alves Rodrigues é divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas e atua nas áreas de Engenharia Civil, Pesada, Obras de Artes, Montagens Industriais e Grandes Estruturas.

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