sábado, 12 de março de 2011

AS JÓIAS DO BREJO V – BIMBIM DO MERCADO

AS JÓIAS DO BREJO V – BIMBIM DO MERCADO


Enoque Alves Rodrigues

Durante vários anos, por mais de duas décadas, ele chegava, sempre por volta das 6 horas da manhã, sentava-se sobre um velho caixote de verduras e ali ficava por todo o dia, debaixo de chuva e sol. O que ele trazia no caixote para vender no mercado? Nada! Parecia tratar-se de mais um daqueles personagens que a vida de quando em vez trás à baila para prosseguirem caminhando por ela, sem destino algum, sem eira nem beira, ou desprovidos de quaisquer perspectivas e objetivos de alguma relevância. Esses indivíduos que nós muitas vezes do alto de nossa ignorância insistimos em chamar de loucos, tem, certamente, suas missões honrosas a cumprirem aqui na terra as quais nós, no estagio atual em que nos encontramos, as desconhecemos inteiramente.
A todos quantos entrassem naquele tempo no velho mercado de Francisco Sá, Brejo das Almas, “beldade do norte de minas”, era recebido por Bimbim, que sempre educado e cordial, ficava sempre postado à porta de entrada, com um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. “Como estás?” “E a família, como vai?”
Enquanto ele dialogava com as pessoas, o seu cachorro, um vira latas... –uai, sô, você já viu algum desses belos seres desacompanhados de um ou mais cachorros?- de pelo marrom, com duas grandes pintas nas costelas, olhos grandes, sendo um vazado por alguma estripulia do passado distante, lambia as pernas do interlocutor, pernas estas devidamente protegidas por uma belíssima calça boca de sinos a coqueluche da ocasião.
Antonio Maria da Silveira Pena, esse era o nome de Bimbim, que apesar de pomposo, principalmente no que diz respeito aos sobrenomes “Silveira” e “Pena”, posso afirmar, depois de ter realizado pesquisas genealógicas, que nenhum parentesco tinha ele com qualquer ramificação destas famílias tradicionais do Brejo das Almas que ostentam esses sobrenomes.
-Bimbim, de onde você é? Perguntavam-no.
-Sei lá, eu? Respondia sempre. Quando me dei por mim já estava no mundo e minha mãe não viveu o suficiente pra me contar!
-Você conhece algum parente, Bimbim? - Perguntava-lhe outro mancebo curioso por saber as origens do personagem.
-Conheço não! E se existe num me foi apresentado!.
-“Mais onde você mora? Isso sim, você com certeza sabe! -, dizia outro.
-É claro que eu sei. Eu moro lá no Catuni, bem na barriga da serra. É lá que eu tenho o meu rancho lá no sitio, onde crio as minhas galinhas poedeiras, planto as minhas hortaliças, caço preás e pesco os bagrões do são domingos...
-Uai, espera um pouco. Então você é um homem cheio de atividades!
-Sou!
-E com que tempo você faz tudo isso, se passas a maior parte do dia aqui no mercado sentado nesse caixote?
-E o sitio, é seu?
-E porque você não traz verduras e ovos para vender aqui? Sim, porque a gente não lhe vê vendendo nada. Esse caixote está sempre vazio. Aliás, a noite, quando você não está sentado nele, ele está sempre amarrado com uma corrente naquela árvore...
-Você pergunta muito, respondeu Bimbim, aparentando algum desconforto diante daquele bombardeio tolo, de perguntas vazias e desconexas. Mesmo assim, do alto de sua educação, inteligência e bondade, passou a comentar aqueles questionários, elegantemente.
-Procuro aproveitar bem o tempo que Deus me deu. Concilio essas atividades as quais exerço na maioria das vezes à noite, com o prazer que sinto em ficar aqui sentado nesse caixote, falando, ouvindo e aprendendo com vocês. Não obstante muitos de vocês ainda pensarem que eu sou um louco, creio que a vida tranqüila e sossegada que levo me propicia algum equilíbrio que de certa forma, me coloca em estágio distante dessa classificação.
Quanto ao caixote vazio e de possuir alguma coisa que eu poderia estar vendendo aqui, quero informar que não tenho tantas necessidades materiais assim. A maior necessidade que tenho hoje e que venho, para a minha felicidade, suprindo a algumas décadas, é a de estar aqui, fazendo amigos. Isso é o que mais me conforta já que durante toda a minha vida, vivi só.
No que se refere sim, ele é meu. Comprei-o ainda na adolescência. Lá onde durmo e aqui onde falo que escolhi para passar a vida para depois morrer com dignidade. A importância da vida, caro amigo, -dizia ele ao interlocutor mais próximo-, não está em ganhar dinheiro o tempo todo, mas em saber usufruir do tempo que a vida, muito curta por sinal, nos oferece. Muitas vezes o que pode parecer loucura ou esquisitice para muitos, como o fato de eu passar, horas a fio, sentado neste caixote, em frente a este mercado, é para mim a maior das diversões e prazeres da vida. Ai você me diz: Cada louco com a sua mania.
E eu lhe respondo:
Quem sabe!
É...
Por vezes, as aparências enganam. É dizer: não julgues pelas aparências. Nem sempre elas estão com a razão.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.



domingo, 6 de março de 2011

AS JOIAS DO BREJO IV – NIQUINHO FARMACÊUTICO

AS JOIAS DO BREJO IV – NIQUINHO FARMACÊUTICO


Enoque Alves Rodrigues

Durante muitos anos existiu na Praça da Matriz uma velha farmácia. Era a única farmácia do Brejo. Ela se localizava exatamente numa esquina a direita de quem observasse do antigo mercado. Seu proprietário era Francelino Dias, mais conhecido como França.
No entanto, com toda certeza, o farmacêutico mais importante do velho brejo das almas, foi, sem duvida alguma, Antonio Ferreira de Oliveira, vulgo Niquinho. Homem simples e educado, polido no trato com seus semelhantes, exímio no manuseio de fórmulas medicamentosas, além de ser possuidor de vasto cabedal cultural que o permitia discorrer sobre todo e qualquer assunto no Brejo das Almas de então.
Alto, magro, meio calvo, este gigante Brejeiro exerceu ali no brejo, várias outras posições de destaque na vida cotidiana do lugarejo, além de sua dedicada lide de farmacêutico.
Uma de suas grandes proezas e prova cabal de indiscutível inteligência e amor a Francisco Sá, ou Brejo das Almas, foi o legado que nos deixou a todos, quando escreveu, a pedido da professora Maria de Jesus Sampaio, o hino a Francisco Sá, o qual, musicado que foi por Corinto Cunha, é até hoje o hino de nossa cidade, sendo sem qualquer sombra de dúvida, o que melhor a retrata, destaca e enaltece, perante os vários povos.
-“Brejo das Almas, ou Francisco Sá. Igual a ti, outro não há”- é o estribilho que mais nos orgulha em qualquer parte do Mundo. Mesmo hoje, -quando sabemos que o nosso Brejo das Almas já não é mais o mesmo, guindado que fora a condição de cidade média e progressista, que seguindo um processo natural dos centros urbanos, trouxe consigo também as mazelas que corroem os mais profundos sentimentos Cristãos e humanitários, principalmente daqueles menos favorecidos pela sorte-, não conseguimos reter  nossas lágrimas nem controlar a nossa emoção, ao ouvirmos tão lindo, maravilhoso e erudito hino. Nesse instante como que por encanto, vem-nos à mente a imagem de Niquinho, o grande benfeitor do brejo.
Esposo da senhora Cândida Peres de Oliveira, pai de muitos filhos, entre eles aquela que viria mais tarde revelar ser a que mais dele herdara os traços fisionômicos e culturais, Yvonne de Oliveira Silveira, normalista desde a mais tenra idade, escritora, poetiza e outras mil atividades nas áreas do intelecto, sendo inclusive presidente da academia montes-clarense de letras, etc., a qual ainda na adolescência viria a esposar Olyntho da Silveira, também grande escritor e poeta, filho da terra e de Jacinto e Maria Luiza, além de irmão do grande Geraldo Tito.
A vida difícil não poupa aqueles que dela tentam sobressair com força e dignidade. Com Niquinho e sua prole não foi diferente. Muito sofreu para conseguir prover sua família do sustento necessário e de uma educação esmerada. Logo cedo, para dificultar mais a sua luta, o destino abateu-se sobre a esposa da qual tivera que separar afim de que ela, em Montes Claros, seguisse tratamento de saúde, enquanto Yvonne o fazia companhia no Brejo das Almas.
Niquinho, não obstante a inteligência muito acima da média, era homem como todos nós. E como tal, possuía, além das grandes virtudes, fraquezas naturais a todos os homens e, evidentemente, estas fraquezas quase que o levaram a derrocada ainda na juventude. Muitos eram os traumas que a vida lhes trazia numa fração muito pequena de tempo. Muitas vezes sequer havia absorvido um golpe e lá vinha outro mais forte ainda. Com isso, como disse, quase naufragou na bebida onde encontrava o falso consolo. A tempo, com a ajuda dos filhos e amigos conseguiu se livrar do vicio que no entanto, deixou-lhe algumas seqüelas que viriam cobrar-lhe a fatura mais tarde e durante a velhice.
Por dez anos padecera de doença que viria a tirar-lhe a vida. No entanto, até mesmo nos momentos de dor que a enfermidade lhe imputava, jamais se lamentou da sorte. Nunca fez sequer qualquer lamentação ao seu destino cruel. Sofria calado, com força, coragem, paciência e resignação, virtudes estas próprias dos espíritos intelectualmente elevados que, de alguma forma, já não mais pertencem a esse mundinho.
Em casa de Yvonne e Olyntho, que dedicados e incansáveis lhes proporcionavam todo o conforto material e espiritual em todas as horas, veladamente, deixou esta vida partindo rumo a uma outra quiçá mais justa e menos cruel para com aqueles que a ela se dedicam com pureza de alma, ternura e muito amor ao próximo.
Assim foi, é e será Niquinho, cujo diminutivo é muito pouco para definir o quão grande foi o gigante Brejeiro Antonio Ferreira de Oliveira.
E...
Por vezes, os gigantes também tombam numa esquina qualquer da vida para volverem-se, numa próxima, mais gigantes ainda.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.


sábado, 26 de fevereiro de 2011

AS JOIAS DO BREJO III – SEU QUINCAS

AS JOIAS DO BREJO III – SEU QUINCAS


Enoque Alves Rodrigues

Seu Quincas ao contrário de todas as “jóias do brejo” que serão aqui retratadas, não obstante ter se tornado um autentico brejeiro, não nascera no Brejo das Almas. Vivia ali há muito tempo aonde chegara ainda rapazinho, proveniente de Grão Mogol, sua terra natal.
Em Brejo das Almas, hoje Francisco Sá, “beldade do norte de minas”, Seu Quincas, ou melhor, Joaquim Dias de Oliveira Bicalho, -era este o seu nome de batismo- tornara-se fiscal da prefeitura, tendo ocupado esta função por inúmeras vezes a qual lhe rendia 20% sobre toda a taxa de arrecadação do município.
Exímio na arte de “riscar a binga” para acender seu cigarrinho de palha carregado pelos melhores fumos produzidos naquele torrão de meu Deus, dedicava-se nas horas vagas que, diga-se de passagem, não eram poucas, ao curandeirismo e a de contador de histórias as quais invariavelmente o tinham, quase que sempre, como o protagonista ou personagem principal, que, como todo final de histórias de super-heróis, estava ele sempre por cima.
Mas uma dessas histórias que ele contava e que certamente era verdadeira, ratificada que era pelo vicio que ele mantinha de tomar, entre uma conversa e outra, grandes pitadas de bicarbonato e também por “dar nome aos bois”, o colocava em uma posição não muito favorável a dos super-heróis. Pelo menos nesta história ele não se saiu bem.
Ei-la:
Foi lá em Grão Mogol, -dizia Seu Quincas-, quando eu era rapazinho. Morrera o Vigário da Freguesia o Padre José Tiago. Um entra e sai dos diabos na casa do morto que era muito querido na cidade. Naqueles tempos era hábito e costume da Igreja de Roma que os defuntos padres fossem lavados com água dos rios que depois de usada ficava guardada em um pote de barro por sete dias quando seria lançada de volta aos rios.
Cheguei à casa paroquial onde o Padre estava sendo velado, tinindo de fome e sede. Morávamos nos arrabaldes de Grão Mogol. Visualizei, ao longe, uma preta velha, serviçal da casa, que em gestos de desespero, com as mãos na cabeça, entrava e saia da casa rezando, em prantos compulsivos.Chorava copiosamente e entre um soluço e outro, entre uma reza e outra, resmungava: “Diabos, com tanta gente ruim pra morrer Deus me vai levá justo o sô vigáro. E adespois ainda dizem que Deus é Justo. Home bom como sô pade, nunca mais vai tê na terra!”
Cumprimentei-a que entretida com sua dor e lamentos, sequer notara ali a minha presença. Dirigi-me a uma sala grande onde, sobre uma mesa cercada por velas em castiçais de ouro, jazia, frio e inerte, o corpo daquele que fora em vida, o benfeitor dos muitos fieis de então. À sua cabeceira, um outro padre celebrava as recomendações de praxe, para que a alma do morto encontrasse lá no além o repouso merecido. Ao seu redor, uma multidão de mulheres velhas com lenços pretos sobre as cabeças acompanhava o terço e ao final de cada ave-maria, respondiam em voz alta ameeem! Entre elas, naturalmente, muitas carpideiras, claro. Elas são partes integrantes de qualquer velório e naquela época não era diferente.
Enquanto isso, um grupo de homens alegres pela “pinga do mogol” palestravam num canto um pouco mais distante da cerimônia. Por mais que eu tenha forçado marcar ali a minha presença, ninguém me deu atenção. Estavam todos compenetrados. Enquanto isso a sede apertava e todos nós sabemos que “quando a sede quer, ela consegue ser mais forte que a fome”. Nesse ínterim, cutuquei um daqueles gaiatos:
- “Ancê num sabe onde é que eu acho água pra beber?. Num agüento mais de sede!”
Antes mesmo de eu terminar a frase o gaiato, pau dágua, como se para se livrar logo de mim, apontou para um dos cantos onde pude visualizar um velho pote de barro que com certeza se encontrava o tão precioso liquido que saciaria a minha sede. Mais que depressa fui até lá. Um amassado e baboso copo de alumínio, não sei por que diabos, ali estava, ao lado do pote. Introduzi-o, desesperadamente, e só depois de haver ingerido vários copos de água, pude me ver livre daquela sede.
Não contava com o tremendo revertério que aquele meu inocente gesto, dali a alguns instantes me causaria.
Comecei a suar frio, enquanto a água dava voltas no estômago. Parecia não ter descido. Tinha a sensação de um grande dilúvio. O meu corpo ficou flácido. As pernas bambas e o meu cérebro não conseguia emitir nenhum sinal de comando. Sem compreender quais eram os motivos daquela reação, fui me queixar com a mesma preta velha. Para que me desse atenção, tive que dar-lhe um beliscão nas polpudas nádegas.
- “Uai, sinhozinho. O que é que tu quer de mim?”
- “De você eu não quero nada!”. Só gostaria que me informasse o que é que vocês colocaram naquela maldita água que está naquele pote, ali!” – disse-lhe, apontando com o indicador para o pote.
- “Apusquê ocê está me preguntando isso? Por acaso ocê num é católico e num cunhece os rito da santa madre igreja?”. Naquele pote que ocê está me apontando é o pote que guarda as água benta que lavaram o corpo de sô pade Zé Tiago. Ela está lá para ser lançada no rio daqui a sete dias!”
Antes que aquela preta velha concluísse aquela inesperada informação, meti os dois dedos na goela e em um só tranco expeli aquele maldito liquido do qual até hoje, como se por castigo, sinto ainda o gosto que só é amenizado quando tomo bicarbonato...
E, num gesto mecânico, finalizava a frase metendo a mão no bornal de onde tirava mais uma pitada daquele “pó sagrado” que por alguns instantes o fazia esquecer do triste episodio vivido em tempos longínquos em sua Grão Mogol.
É...
Por vezes, a mesma água que os outros julgam como benta para eles, pode nos causar os mais sérios transtornos.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

AS JOIAS DO BREJO II – ZÉ ALVES

AS JOIAS DO BREJO II – ZÉ ALVES


Enoque Alves Rodrigues

Com várias fazendas de gado e plantações a perderem-se de vista que ocupavam quase todo o território do velho São Gonçalo do Brejo das Almas, Zé Alves foi, indubitável e incontestavelmente, o grande patriarca do lugar. A pedra fundamental do velho brejo foi fincada com muita luta, denodo e bravura, por aquele vaqueiro matuto de falar pausado, mas firme e direto. Possuía grandes manadas de gado as quais vendia, tornando-se o maior comerciante agropecuário de todo o norte das minas gerais.
José Alves da Silveira, sim é esse seu nome completo de batismo, constituiu ali juntamente com dona Antoninha, sua dedicada e mui prendada esposa, numerosa família tendo todos os filhos, a exceção de um deles, seguido os passos do pai na lide de comprar e vender  fazendas e gado de corte. Todos os filhos do velho Zé Alves eram  fazendeiros, apenas Jacinto Alves da Silveira, um de seus filhos que mais tarde se encarregaria de dedicar-se de corpo e alma ao desenvolvimento de Brejo das Almas, acumulava as atribuições de fazendeiro com a vida cultural, não obstante não ter obtido em toda a existência mais que seis meses de instrução escolar. O resto da historia desse grande brejeiro todos conhecemos e será, uma vez mais, tratada a parte, já que hoje estamos nos referindo ao seu pai.
Zé Alves viajava diariamente para fechar negócios que culminavam sempre com a compra ou venda de novas manadas de gado. Grande tino voltado para esse tipo de comércio, tornara o velho Zé Alves o homem mais rico de todo o Brejo das Almas. Praticava também nas poucas horas vagas, a caça de veados, onças e outros animais de médio porte, que abatia de cima de uma velha espera onde, com toda calma do mundo, permanecia horas e as vezes noites inteiras sobre uma arvore até que os infelizes surgissem para o fim, inexorável. 
Mineiro até a medula, caipira de formação e analfabeto por convicção, travava em suas quase sempre bem-sucedidas negociações, antes de tudo, uma verdadeira “peleja” com a Língua Pátria, deixando muitas vezes seus diálogos quase incompreensíveis aos seus interlocutores. Além disso, o velho Zé Alves era do tipo “pavio curto”. Não se utilizava de meias palavras nem mesmo quando o único interessado em fechar determinado negócio era ele próprio. Mesmo sendo mineiro, não aceitava o nosso mineirísmo. Ao contrário, combatia-o, severamente. Não aceitava desculpas ou qualquer justificativa. Tratou com ele tinha que cumprir.
Certa vez foi realizar uma grande venda de gado de corte lá pelos lados de Ouro Preto, terra de seus ancestrais. Ao longe, ao vê-lo surgir, o fazendeiro Nico da Rosa, para o qual Zé Alves venderia a grande manada, abriu-lhe os braços gesto seguido de um grande sorriso colocando à mostra a perfeita dentição matuta coberta do mais puro ouro das gerais, cujos dentes reluziam à distancia, foi logo proferindo as palavras de boas vindas, pratica e costumes daquelas placas naquela época.
- “Olá, compadre Zé. Sejas bem-vindo a minha humilde casa que é muito pequena, mas nós aqui estamos com o coração grande e aberto para recebê-lo!”.
- “Uai, cumpade Nico, que diabos é isso de casa pequena e coração grande e aberto? Nóis aqui viemo a nigocio e num vamo nem entra na sua casa e quanto ao seu coração, pode fechá... Num deixa ele aberto não apusquê pode criá bichios e inframá e nois aqui num é médico. Viemo cumo eu já disse, trabaiá e no cumercio de gado num tem lugá pra frescruras. As trezentas cabeça de boi é oito contos de réis e num tem cunversa!”
- “Calma, compadre. Nós vamos negociar, com toda certeza... mas é minha obrigação a qual exerço de muito bom grado, fazer as honras da casa oferecendo hospedagem, água e comida para o senhor e seus camaradas, até porque sabemos que a distancia entre o Brejo das Almas até Ouro Preto, onde estamos, é muito longa.
Zé Alves, com um pé apoiado em uma trave da porteira, permanecia do lado de fora, enquanto o compadre Nico segurava a tramela do lado de dentro tencionando abrir-la.
“A distança é longa mesmo, cumpade, mais nois está aqui. Vamos antonces entrá nas nigociação, apusque pelo qui tô vendo num vai ser fácil. O sinhô pensa qui falano bunito vai mi drobá... mais eu num vô cedê. Esse gado que eu truxe foi todo ingordado com o melhó capim colonião que já se produziu no brejo...”
Não tinha mesmo como engatar um dialogo que não dissertasse única e tão somente sobre a compra e a venda do gado. Assim sendo, não restou a Nico da Rosa outra alternativa senão partir para o ataque.
Mineiramente, passou a fazer disfarçados comentários no intuito de depreciar um pouco o produto para depois dar o bote e compra-lo por um valor menor.
- “Pois é, compadre, vejo que apesar da boa qualidade de seu capim colonião, seus bois, dessa vez não estão muito gordos como os da manada que eu lhe comprei na ultima vez.”
- “Antonces eu vou levá eles de vorta pro brejo pra engordá mais e quando eles estourá eu lhe trago!”
- “O que é isso, compadre? Só estou lhe dizendo que os bois desta vez não estão gordos como os anteriores... é só isso!”
- “Já entendi. Oncê quer é desvalorizá meu gado prá eu lhe vendê a preço de banana. Por isso mesmo agora eu só lhe vendo os meus bois pelo drobo. Meno de dezesseis mir conto de réis eu num vendo procê. É pegá o largá!”
Não sei como terminou esta história mas, cá prá nós, a diferenças dos valores culturais e monetária para a venda da manada, entre ambos, era muito grande. É possível que nenhuma das partes tenha logrado êxito.
É...
Por vezes, como falamos no Brejo, “dois duros não levantam muros”. Ou ainda, “dois bicudos não se beijam”.

Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Escritor, Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

AS JÓIAS DO BREJO I - JOSÉ DIAS PEREIRA

AS JÓIAS DO BREJO I - JOSÉ DIAS PEREIRA

Enoque Alves Rodrigues

É de conhecimento de todo e qualquer brejeiro o peso que tem, ainda hoje, o sobrenome “Dias” na política e, principalmente, no desenvolvimento sócio econômico de Francisco Sá, como um todo. Não é preciso arriscar muito para afirmar que por muito pouco os “Dias” se equiparariam aos Silveira, claro, não fossem estes imbatíveis e insuperáveis. O certo é que desde que Francisco Sá, ou Brejo das Almas se entende por “gente”, os clãs “Silveira e Dias” sempre se revezaram em seu cotidiano. Chegavam mesmo, outrora, a fomentar animosidades em seus relacionamentos políticos sem qualquer prejuízo ao amistoso. Estas tradicionalíssimas famílias conseguiam ser inimigas no âmbito da política sem o ser no familiar. Casavam-se “Dias” com “Silveira” e vice-versa. As relações entre estas jóias do Brejo tinham que ser mantidas no mais alto nível com o único e mutuo objetivo de preservar o crescimento e projeção do lugar. Entre os muitos “Dias” que não obstante a minha ainda hoje “tenra idade” conheci, destacarei no episodio de hoje, sucintamente, já que seria impossível relacionar todas as ações, predicados e virtudes do aludido, alguns feitos que já naquela longínqua época demonstravam o quão visionário, arrojado e empreendedor era o nosso “cana-brava” José Dias Pereira. Não é difícil falar desse caboclo apesar do pouco ou quase nada existir a seu respeito nos livros escritos e compulsados na região. Mas é assim mesmo, a história costuma não fazer justiça àqueles que mais realizaram, apesar de que, como se verá mais adiante, o personagem de hoje, nominar algumas ruas e instituições de ensino.
Matuto e inculto, porem educado, humano e sensível. Assim era José Dias Pereira. Grande faro para os negócios acompanhado de imensa dedicação e desprendimento. Construiu com suas próprias mãos, sem contar com herança alguma, todo o seu patrimônio que não era pouco. Dividiam suas rentáveis atividades nos campos de fazendas de criar onde se achavam infestadas de bois de corte, plantações a perderem de vista de cana de açúcar, algodão, alho, etc., casas comerciais diversificadas e muitas outras labutas que lhes auferiam merecidamente lucros astronômicos. Tudo dentro da mais pura e correta honestidade fator este do qual não abria mão.
O homenageado de hoje tinha lá suas maneiras muito próprias, e até mesmo curiosas de colocar a sua máquina de “fazer dinheiro” para funcionar. O homenzarrão parecia não dormir, jamais. No afã de colaborar com o crescimento da região, de sua gente e, claro, seu próprio, não media esforços. De madrugada, quando o galo ainda cantava e o astro rei sequer sonhava em dar as caras, ele já saltava da cama lá em “Cana Brava” onde tinha o seu “quartel general” e de posse de uma velha e enferrujada enxada, ia de porta em porta acordar os homens da casa, previamente comprometidos com ele e sua lide. Era com prazer que se trabalhava para aquele caboclo, até porque naqueles tempos, por aquelas míseras plagas onde, com orgulho, nasci, não se havia outro meio de se ganhar a vida senão suando a camisa no calor causticante da terra vermelha. E aquele caboclo honrava o trato. Jamais passou a perna em quem quer que seja. Era difícil o despertar para o brejeiro de cana brava naqueles tempos... Qualquer desavisado que porventura pretendesse fazer corpo mole e seguir dormindo estava literalmente lascado. Já ao longe se ouvia o tilintar da pedra na velha enxada seguido de fortes gritos enquanto a plebe já se reunia à frente de seus casebres.
O matuto, homenageado, vinha lá quase que sempre vestido com uma calça “arranca toco”, camisa feita de tecido de algodão semelhante ao que se usa no fabrico de sacos de açúcar, sobre a qual, invariavelmente, mantinha um velho e surrado jaleco de couro. Nos pés, um não menos velho e surrado par de botas de couro em cujas botas, pasmem, estivesse ele à pé ou à cavalo, estavam sempre ornamentadas com reluzentes esporas com suas serrilhas afiadíssimas. Sua maneira despojada e despreocupada de se vestir era imutável. Suas vestimentas pareciam fundir-se à sua própria personalidade. Era uma figura.
Zeca Guida: Era esta a sua alcunha. O Zeca Guida de Canabrava ou seria a Canabrava do Guida?
Bem isso pouco importa. O que importa mesmo é que não existia ali nenhum outro benfeitor com quem  a gente necessitada pudesse contar. Era somente o Zeca Guida.
- “Zeca, priciso cuocê me impresta uma frôr de abróba pra enviá u’a receicha qui mi deu seo dotô João Alve prá expursá bichios da barriga de Tonha”.
Tem que traduzir: Zeca, necessito que você me empreste uma nota de mil cruzeiros para poder aviar uma receita que foi dada pelo senhor doutor João Alves à Antonia, para expelir vermes.
- “Pois não, Carrim, (Carlinhos) manda a Tonha passá lá em casa e pegá com a Lia”. Pede prá Tonha não esquecê de alembrá Lia pra ela não esquecê de anotá pra discontá no fim do mêiz.”
Outro, premido por suas necessidades também acorria ao benfeitor.
- “Eu gostcharia muincho de vim trabaiá com o sinhô, mais o ganhame aqui é muincho poco!”
- “Não tem importança, não, sô. Vá entonce trabaiá cum Erpido”. (Elpídio)
- “Mais Erpido tamêm paga poco!”, - respondia o peão, desolado.
- “Entonce vai lambê sabão de preda prá fazê escuma. O entonce vá esvaziá a lagoa das preda cum caxa de fosco” (esvaziar a lagoa das pedras com caixa de fóscoro).
Enquanto isso, outro peão expressando-se em peculiar mineirismo, próprio de alguns de nós montanheses, tentava justificar sua possível ausência ao terreiro para ajudar a bater feijões. (várias pessoas se reuniam ao redor de um monte de feijão cada qual com um cambão que consiste em dois pedaços de paus presos um ao outro por um relho de couro na ponta, com os quais batiam sobre o monte de feijões).
- “Então, ficamos assim, seu Zé (este falava bem). Eu estarei lá ás 6 horas... Mas se até as 5 horas eu não chegar é porque eu não fui!”
- “Não. Isso num tá certo, respondia Zeca, desse jeicho só ocê ganha e ainda bangunça as minha idéias. Vamo simprificá isso: eu vô te esperá só até às 5 hora. Se até as 6 hora ocê num chegá eu vô imbora e ocê num pricisa vim mais. Pode percurar otro patrão pra trabaiá qui eu num vô mais servi ocê”.
Era a linguagem brejeira se alinhando para romper as barreiras do entendimento. Zeca Guida, não obstante ter sido homem de poucas letras, se expressava muito bem. No entanto, muitas eram as vezes em que ele tinha que se expressar na linguagem cabocla para se fazer entender melhor.
E...
Por vezes, dizia Sun Tsu, “há momentos que a maior sabedoria é parecer não saber nada”.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Escritor, Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

SAUDADE BREJEIRA - FINAL

SAUDADE BREJEIRA - FINAL

Enoque Alves Rodrigues

Bem em frente à Igreja Matriz localizada na Praça Jacinto Alves da Silveira, em pleno centro de Francisco Sá, conversavam Feliciano Oliveira e Montalvão, ambos, candidatos aos pleitos eleitorais de um ano qualquer, bem no inicio dos anos 1960.
O primeiro, meio alto e esguio, tez parda, careca, vestindo terno azul marinho com listras de giz, gravata borboleta - apesar do calor de deserto do Brejo das Almas de então -, e calçado com um par de botas de couro com canos longos que iam até os joelhos.
Já o segundo personagem, baixo, loiro, olhos claros, barriga saliente, calça de brim azul batido, camisa branca amarrotada, igualmente calçando botas de canos longos, num estilo bonachão, ensaiavam o discurso que fariam, logo mais, em um comício qualquer, lá no povoado de São Geraldo.
Eram velhas raposas da política do norte de minas, sendo o primeiro candidato à deputado federal e o outro a deputado estadual.
Dentro da Igreja aonde ambos se encontravam defronte, o Padre Silvestre, naquele momento, já se preparava para mais uma homilia. Fiéis assomavam-se à praça, tocados em seus recônditos pela “fé que remove montanhas”.
O Padre Silvestre, para quem não o conheceu, era um senhor alto, loiro, olhos azuis e, acreditem, muito sistemático. Diziam até que ele neste ultimo quesito conseguia superar, e muito, até mesmo o padre Salu, que todo brejeiro antigo só de ouvir falar o nome, tremia. O Padre Salu, sobre cuja personalidade difícil, já discorri neste espaço, realmente não era uma “boa ovelha”. Ranzinza, chegava muitas vezes ao extremo de expulsar as beatas de frente de seu confessionário a chutes. A molecada fugia dele.
Pois bem, o Padre Silvestre, a quem conheci de perto, não tinha, com toda certeza o temperamento do Padre Salu. Ao contrário, era dócil, tranqüilo, falar manso e um coração bondoso. Tratava a todos com amor e elevado espírito de solidariedade. Mas então, onde é que os dois padres se pareciam tanto? Pois não, os dois se assemelhavam devido ao fato de detestarem política.
Achavam. Achavam? Não, tinham certeza, assim como a temos nós hoje, que na política brasileira se escondem as maiores mentiras. Que o fator que fomenta a política é a mentira. E, claro, como Cristãos, e sendo a mentira um dos sete pecados capitais, eles, assim como todo e qualquer cidadão de bem, tinham mais é que abomina-la. Até ai, nenhum problema, não fossem os extremos.
Os dois grandes expoentes da política mineira palestravam descontraída e discretamente, já no meio da pequena multidão que se formava na praça. Ambos tinham o nítido desejo, mineiramente disfarçado, de à maneira que os brejeiros se ajuntassem todos, os dois candidatos, meteriam a mão em um bornal que traziam à mão e... zás... de lá sacariam um santinho com suas fotos e números e entregariam aos pretensos eleitores.
Mas o Padre era mesmo terrível. “Aquellos ojos verdes de mirada serena”, enxergavam mais que pirilampos do Mangal. À distancia e de relance, observava a ação dos dois, também, mineiramente. Fingia não vê-los. Os dois, por incrível que possa parecer, eram também amigos do padre Silvestre. Comungavam, ali. Mas o problema é que estavam fazendo política no lugar errado. No território do Padre. Era local sagrado. E isso ele não tolerava.
Não demorou muito e Feliciano puxou do bornal o primeiro santinho para entregar ao fiel eleitor. Tentou entregar, mas não conseguiu. Ao esticar a mão, pasmem. Assim como num passe de mágica, adivinhem de quem foi a mão que estava estendida para receber o santinho da mão de Feliciano Oliveira?
Sim. Foi ela mesma. Ao vivo e a cores: A mão do Padre Silvestre ali estava a tomar da mão de Feliciano o tal santinho.
Não contente, confiscou-lhe, sob os olhares surpresos dos fieis brejeiros, o bornal, cheio de santinhos.
Sem reagir, Feliciano, polido como sempre, mas também surpreso, apenas sorria...
Enquanto a Montalvão, evaporou-se em meio à multidão.
Pairam-me à mente, até hoje: jamais consegui entender como e de que maneira o Padre conseguiu levar a efeito toda esta ação, sem, sequer, proferir uma única palavra. Eu estava muito próximo e posso afirmar que ele não moveu os lábios.
Foram muito engraçadas e hilariantes as justificativas que os dois candidatos, algum tempo depois ao desembarcarem de uma velha Rural Willys já no povoado de São Geraldo, davam aos seus eleitores:
- “Olha pessoal. Viemos aqui falar com vocês, na condição de vossos leais e prestativos amigos de todas as horas. E todos nós sabemos muito bem que para se lembrar do rosto e da fisionomia de um amigo de verdade, aquele velho amigo que só nos faz bem, não se precisa de fotos. As nossas fotos, com toda certeza, já estão lá dentro da memória de todos vocês, nossos amigos. Mas para que não corram o risco de nos esquecerem, uma vez que a pinguinha do brejo que nós lhes oferecemos já está fazendo lá em vossas idéias, os seus efeitos, lhes informamos que o meu nome é FELICIANO OLIVEIRA. Eu sou o mais altinho e careca. Enquanto este aqui que está ao meu lado, baixinho e barrigudo, é o MONTALVÃO. Obrigado meus queridos amigos e correligionários e até a vitória nas urnas, se Deus assim o permitir!”
É...
Por vezes, quando não se tem a certeza necessária, é melhor abrir o jogo, sem delongas.

Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 15 de janeiro de 2011

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ XV - UM POUCO DO DR. JOÃO ALVES EM MONTES CLAROS – 4

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ XV- UM POUCO DO DR. JOÃO ALVES EM MONTES CLAROS 4

Enoque Alves Rodrigues

Logo após a primeira guerra mundial, os miasmas das epidemias espalharam-se pelos quadrantes do mundo! Assemelhava-se aos anos da “peste negra” na idade média! Era a “gripe espanhola”!

Em Montes Claros, a Santa Casa não cabia mais doentes! Mas o Dr. João Alves tratava deles no seu próprio lar! O povo, salvo por ele do amplexo frio da morte, ofereceu-lhe uma recordação: um relógio de ouro com uma gravação na tampa!

De o Jornal “Montes Claros”, de 10 de Abril de 1919, consta o seguinte trecho:

“A SAGRAÇÃO DE UM BENEMÉRITO. A CIDADE DE Montes Claros manifesta ao Dr. João Alves a sua gratidão pelos inestimáveis serviços por ele prestados durante a pandemia de gripe espanhola. Oferta de uma rica jóia ao Dr. João Alves. PRIMUS INTER PARES.
“De há muito projetava-se uma grande manifestação popular a este apostolo abnegado da caridade sertaneja, que em sua rota pela existência nada mais tem feito senão minorar a dor física, proporcionando a paz de espírito, tão necessária a luta pela existência.
“Ninguém certamente, certamente a esta manifestação se tornou Maximo credor, senão o Dr. João Alves, o medico da pobreza, que não contente dos desvelos e cuidados prestados aos pobres que a ele recorrem, dá-lhes também o necessário para o alivio da dor.
“Esta manifestação foi a apoteose dos seus incontáveis méritos. O Dr. João Alves é a figura de destaque do Norte de Minas – médico ilustre, político abalizado e dos mais temíveis, porque sabe dominar com rasgos varonis, arrebatando, empolgando, dominando o adversário, é o Presidente da Câmara Municipal de Montes Claros, o pró-homem, o eixo da política da terra que teve a ventura de o criar e que o viu crescer.
“Ao estudarmos a personalidade política do Dr. João Alves, encontramos nele todas as virtudes do ilustre caudilho gaúcho, o eminente político que chamou-se João Gomes Pinheiro Machado. Ninguém resiste à fascinação de João Alves; bom, justo, humanitário, ele vence a golpes de modéstia, natural simplicidade de sertanejo culto, e com um sorriso hábil, político, irresistível, que é uma claridade esmagadora, domina, empolga. Político de descortínio seguro, João Alves tornou-se o árbitro da política local, o seu desejo impera, é lei; e tudo que possui, avassaladora, que entra pelos lares, em alvoradas de trabalhos e aleluias de carinhos. E porque João Alves é tudo isto? Porque tem a estima de seus pares, porque sabe amar e é amado pelos filhos, e esposa desvelada, a distinta senhora dona Tiburtina Alves, sua inseparável companheira da caridade, tipo da mulher espartana, que empunhava as armas e dizia aos filhos: “parte, ide defender vosso pai, nosso tesouro querido”.
“Nas manifestações múltiplas, recebidas por João Alves, não podemos deixar de destacar as do Sr Major Prates Sobrinho, seu adversário político, cujos conceitos foram verdadeiros hinos ao cavalheirismo, ao mérito e ao civismo do ilustre manifestado, e será sem duvida alguma, o mediador plástico das questões do Norte de Minas."

Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. http://enoque.rodrigues.zip.net/index.html; http://twitter.com/Enoqueal

sábado, 8 de janeiro de 2011

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ XIV - UM POUCO DO DR. JOÃO ALVES EM MONTES CLAROS - 3

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ XIV - UM POUCO DO DR. JOÃO ALVES EM MONTES CLAROS - 3
Enoque Alves Rodrigues

O Dr. João Alves era o santo da terra, o “Bom Samaritano”, que distribuía a ciência de curar com um simples rabisco de papel. Receita dada por aquele médico – dizia o jeca – “era como água na fervura”; o doente ficava limpo de uma vez!
Certa ocasião, um “tabaréu” virou-se para ele, no consultório, e recitou o seu rosário de moléstias:
- “Pois é assim, seu dotô, a Maria sente u’a pontada danada nos peito que arresponde nas costa. Daí entonces, ela cumeça numa tremedeira, lança tudo que cumeu e num agüenta mais nem u’a gata pro rabo. Eu quiria que mecê arreceitasse u’a mezinha pra ela...”
- “Ora, Juca, nós havemos de dar um jeito na Maria. Não se incomode, pois ela ficará boa logo...” – respondeu-lhe o Dr. João Alves, carinhosamente.
Dito assim, sentou-se frente a sua mesa de trabalhos, colocou o “pence-nez”, pegou da pena e receitou a “mezinha” para a Maria. Levantando-se todo sorridente, com aquela sua maneira muito peculiar que tanto cativava qualquer um, deu um tapinha nas costas do Juca e entregou-lhe a receita dizendo-lhe:
- “Pode ficar tranqüilo... É só usar isto aqui. Até outro dia. Vá com Deus, Juca. Não se esqueça de me mandar noticias da Maria...”
O Jeca, meio acanhado, virou-se para o médico:
- “Hoje eu num tenho dinheiro pra pagar mecê...”
- “Ora, Juca, só o que me faltava” – Exclamou o Dr. João Alves, sorridente. Quem falou aqui em dinheiro? Outro dia... Quando você puder...”
- “Antonces, seu dotô, até mais vê. Deus qui pague mecê...”
E lá se foi o jeca!...
Chegando em casa, na roça que ficava em Cana Brava, pegou da receita e lembrou-se das palavras do médico: costurou o papel da receita dentro de um pedaço de pano morim, formando um “patuá”, amarrou um barbante numa das extremidades e colocou aquela “relíquia” no pescoço da Maria!
Afirmam os próprios médicos que a sugestão tem curado muita gente pelo mundo afora: dentro de dois dias, se é que levou tudo isso, a velha Maria andava pela casa toda bendizendo a hora em que Deus se lembrara de por no mundo um medico como o Dr. João Alves!
Quando algum parente ou amigo das redondezas se sentia febril ou desanimado, Juca levava o famoso “patuá” e recomendava-lhe:
- “Ô cumpade, põe isso aqui no pescoço e vai vê... É tiro e queda. É remédio de sô doto João Arves...”

De outra feita, a cidade de Montes Claros dormitava serena sob a abóbada celeste crivada de estrelas. Um tropel de cavalo, aquela hora, aproximava-se da residência do já famoso médico, arrancando fagulhas, com as ferraduras de grande rompante, no calçamento “pé de moleque” da cidade. À frente da casa, a animália parou, um homem desceu dela e amarrou o cabresto naquela arvore copada. Em seguida, bateu à porta:
- “Dr. João Alves! Dr. João Alves””
Daí a questão de minutos, a chave rangeu na fechadura e o médico em pessoa assomou à porta.
- “Que deseja o senhor?” – indagou.
- “Eu sou Antonio Ramiro, seu doutor – respondeu o desconhecido. Vim trazer uma noticia para o senhor: quando passava pelas imediações da fazenda das Canoas, notei um movimento estranho por lá. Aproximei-me. Era o coronel Marciano Alves que fora assassinado” Então, vim oferecer os meus préstimos...”
O Dr. João Alves era também um grande psicólogo. Por isso mesmo, uma centelha de desconfiança se apoderou logo dele! E tinha razão: era o próprio Antonio Ramiro o assassino de seus pais! Ele chegara, sorrateiramente, aos arredores da casa grande. Ali devia haver muito dinheiro, pois o coronel era tido como avaro e devia ter a “burra” sempre cheia. Matou o fazendeiro e sua esposa! Diziam que jogara os cadáveres no chiqueiro de porcos! Com o grunhido medonho dos suínos, a donzela acordou, viu a cena e enlouqueceu!
Muitos e muitos anos depois, aquela antiga donzelinha do solar do coronel Marciano Alves gritava da janela de sua casinha, mesmo ao lado da do famoso medico:
- “João José! João José! Pega aquele malvado!”
As carnes de seus dedos já estavam dilaceradas, apodrecidas, porque ela enrolava-os, por mania, em trapos de pano molhados em água fria!
- “Que tem você nos dedos, Dona?” – Perguntavam-lhe os meninos que passavam em frente a sua casa em direção ao Grupo Escolar.
- “Ah!... – gemia ela. São umas agulhas que aquele malvado enfiou nos meus dedos... Só tenho alivio molhando-os em água fria...”
Ela fora uma moça fina e educada! De vez em quando, surpreendia a todos com uma melodia antiga, daquelas que se cantavam nos serões da família Alves!...
Eram romances que tinham vindo de Portugal, contando os amores infortunados das castelãs...

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Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

SAUDADE BREJEIRA - FRANCISCO SÁ

SAUDADE BREJEIRA

Enoque Alves Rodrigues

O sol brilhava intensamente lá pelos altos da Serra do Catuni. Seus raios fortes ultravioleta lambiam, solenemente, a barriga da bela serra, marco de beleza sem igual que identifica as lindas paisagens do Velho Brejo das Almas, onde os muares ainda ruminavam o banquete noturno.

Eram 7 horas de uma linda manhã do inicio do mês de Setembro.
Nas ruas, ainda de terra batida, o vento uivava com a intensidade de um vulcão, levantando nuvens de poeiras vermelhas, que adentravam, sem prévio convite, os pequeninos casebres de então, o brejeiro, pacato, cuidava de seus mais simples e comezinhos afazeres. Todas as pessoas já se encontravam em clima de festa. aproximavam-se as comemorações dos padroeiros do pequeno lugarejo aonde todas as almas se encontram e reverenciam. A euforia e as expectativas para os tres grandes dias de festas, afloravam-se.
É a vida seguindo lentamente o seu curso. Lento e natural. Ninguém tinha pressa...
No casarão, imponente e arejado, o mais importante do lugarejo, Jacinto Silveira e Maria Luiza, cuidavam da educação de sua prole. Os meninos tinham que crescer em um ambiente Cristão e saudável para seguirem seus caminhos. Geraldo Tito e Olyntho já manifestavam naquela tenra idade, suas inclinações para as letras.
No vasto alpendre da sala, Jacinto confabulava com seus correligionários saboreando um cafezinho mineiro acompanhado de broas de milho, preparando-se para mais um pleito eleitoral de novembro que se avizinhava, Maria Luisa, sua doce e fiel esposa, em um dos muitos quartos da casa, dedilhava um velho piano do qual arrancava maravilhosas sinfonias de Beethoven.
Enquanto isso, lá na velha Matriz do Brejo, o Padre Augusto Prudêncio se preparava para mais uma missa. Os fieis já estavam a postos, ávidos pelos seus sermões.
Na lagoa das pedras, com suas águas claras e cristalinas de um azul que refletia tal qual espelho as imagens das arvores e bovinos, peixes, marrecos, marrecos, ariris e patos nadavam, despreocupadamente.
Nos dois riachos as lavadeiras cantarolavam musicas nativas do lugar enquanto ensaboavam suas roupas antes de batê-las sobre uma pedra, no instante em que seus maridos desciam a Serra do Mocó, retornando de mais uma cansativa e frustrada noite de caça aos tatus. Eles não tinham a mesma sorte do lendário “Zé Tatu”, o antigo e o mais bem sucedido caçador desse espécime do Brejo. Ele tinha coleções intermináveis de cascos para confirmar a veracidade de seu sucesso neste tipo de caça.
Em Lagoa Seca, Rosalino cuidava de seu gado. Muito leite para tirar. Muitas vacas com suas crias amarradas as pernas e muitas outras prenhes.
Olympio Dias palestrava com seu grande amigo e correligionário Deputado Camilo Prates, sobre as pretensões de seu filho Alfredo Dias em ingressar no mundo da política. Sonho frustrado pela vida boemia interrompido que fora com sua morte, inconseqüente.
Lolô do Mangal, baixinho e barrigudo, feio de dar dó, preparava-se para praticar mais uma boa ação. Era feio somente por fora, pois dentro daquele peito rudimentar pulsava o mais bondoso coração do brejo. Ajudava a todos, indistintamente.
Lá em Cana-Brava, ás 5 horas da manhã, José Dias Pereira, o Zeca Guida, batia numa velha enxada à guisa de sirene, com seu vozeirão inconfundível, acordava os homens para mais um dia de trabalho: vamos trabalhar, vagabundos...rapadura é doce mais não é mole. Aqui tem que se comer o couro para se cagar correias. Grande Zeca. Matuto. Rico e bem sucedido, mas enérgico, complacente e caridoso.
Alheios a vida brejeira, até então, pois viviam em outro distrito que naquela época não pertencia ao Município de Brejo das Almas, cresciam robustos, na Fazenda Brejo de Santo André, em um lar farto e culto, os meninos Francisco e Alfredo Sá, que futuramente, com toda elegância, humildade e impar sabedoria, se encarregariam de levar aos quatro cantos do Planeta, o nome daquele torrãozinho, até então esquecido lá nos cafundós do Norte Mineiro, tornando-o conhecido e respeitado, dando-lhe o lugar de destaque de há muito merecedor. Não é sem motivos que hoje, ou desde 1938, a antiga Cidade de Brejo das Almas, leva, com todo o mérito, o nome de um destes dois grandes Brasileiros: Francisco Sá. Se bem que ainda nos dias atuais, pairam sérias e oportunas controvérsias, sendo que uma delas, na minha pobre visão de “brejeiro autentico” é a de que não seria o caso de ter dado ao lugar o nome de quem lá viveu, lutou e morreu? De quem, possuindo, legalmente, como propriedades suas quase todas as terras onde se localizava o velho Brejo das Almas, desprovido de qualquer avareza mas dotado de grande desprendimento, desapego as coisas materiais e sentimento Cristão e Patriótico, abriu mão de tudo isso pelo simples sonho de ver sua terra e sua gente independentes e emancipados? Que em luta empedernida na qual entrou rico e saiu pobre, deu o sangue e sacrificou a própria vida? Que no afã de conseguir com que o lugarejo de Brejo das Almas se transformasse em Município construiu por sua própria conta e com dinheiro do seu bolso os prédios que o habilitaria ao pleito de Município?
Pois é. Esse sujeito, cuja história tenho a honra de conhecer de cor e salteado, é Jacinto Alves da Silveira, marido da Dona Maria Luisa Araujo Silveira, pais dos meninos Geraldo Tito e Olyntho Silveira e sogros de Zezé e Yvonne de Oliveira Silveira.
Então, ficamos assim: Jacinto Silveira é o cara...
E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.









sábado, 1 de janeiro de 2011

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ XIII - UM POUCO DO DR. JOÃO ALVES EM MONTES CLAROS 2.

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ XIII -UM POUCO DO DR. JOÃO ALVES EM MONTES CLAROS 2

Enoque Alves Rodrigues

No mesmo Jornal “Folha do Norte”, em seu número de 27 de Julho do ano de 1930, cujo periódico era naquela época publicado em Montes Claros e distribuído para toda a região do norte das Minas Gerais, viam-se os seguintes artigos:
“Estão sendo, afinal, vitoriosos no Supremo Tribunal todos os pontos de vista sustentados pelo “O Jornal” e o “Diário da Noite” a propósito de Montes Claros. Os juízes que votaram até agora no conflito de jurisdição provocado em virtude de presença inepta de um procurador da Republica no inquérito policial instaurado pelo governo de Minas, todos dois já opinaram que não se trata de crime político. A justiça se acha diante de um delito comum submetido à jurisdição da autoridade judiciária local. Vemos desse modo, posta em cheque a palavra do presidente da Republica, que na mensagem enviada a 3 de maio ultimo ao Congresso, teve a impávida coragem de classificar como político a reação ao autonomistas de Montes Claros às provocações feitas pelo governo federal ao brio, ao pudor e ao caráter altivo dos mineiros.
“Quando ocorreram os deploráveis acontecimentos de Montes Claros, frisamos desde a primeira hora que o pais assistia ao gesto de desespero de uma coletividade, nos derradeiros transes da paciência e do espírito de sacrifício. O que a tolerância mineira contemporizou com a insolência desabusada do Sr. Washington Luiz e dos seus instrumentos covardes, só poderá ser bem compreendido examinando-se friamente a explosão de Montes Claros. O trágico morticínio que ali se verificou foi como uma válvula de escapamento da pressão formidável da temperatura mineira, contra homens como os senhores Washington Luiz, Carvalho de Brito e Melo Viana, que todo o dia procuravam um pretexto novo para enxovalhar a dignidade da gente altiva de Minas Gerais.
“Uma bomba lançada por um imprudente da caravana do Prestes, à porta da casa do Sr. João Alves, foi o estopim que ateou fogo na dinamite. Os líderes da provocação à bravura mineira saíram, graças a Deus, com vida para que a Nação evidenciasse a mistura de que era feito o caráter desses cidadãos que o Sr. Washington Luiz adquiriu para com eles ter a veleidade pueril de intimidar o liberalismo montanhês. Face a face dos autonomistas intrépidos de Montes Claros, todos eles exacerbada pelas agressões do poder federal às liberdades publicas de sua terra, - os líderes da causa do mandonismo do presidente da Republica, em Minas, não tiveram sequer coragem de enfrentar as escopetas das suas vitimas, decididas à revanche pessoal, corpo a corpo. Os senhores, Brito, Melo Viana e outros próceres concentristas receberam o contra-golpe dos autonomistas de Montes Claros de ventres colados ao solo, pálidos de susto para serem pisados, machucados pela sua caravana em debandada, a fugir estrada afora, como folhas secas varridas pelo vendaval.
“Montes Claros fixa no momento culminante da consciência brasileira.
“As palavras do juiz Artur Ribeiro são o mais tremendo libelo que poderia ouvir o presidente da Republica, a propósito daquela frase pernóstica “tocaia de bugres”, com que quis ele classificar Montes Claros. Insistiu o Sr. Artur Ribeiro no que sempre aqui dissemos: foi o sentimento da autonomia individual e coletiva que ditou aquele ato de desespero. Tenhamos coragem de pegar pela gola do casado e apontar à Nação o único responsável pela chacina verificada naquele reduto das liberdades mineiras. É o Presidente da Republica a quem o voto do Supremo Tribunal irá colocar, desta vez, em triste e miserável postura”
(Assinado) Assis Chateaubriand”

Breve, na medida do possível darei seqüência a historia de vida desse grande Brasileiro, que nasceu e viveu com grande galhardia no norte das Minas Gerais e que tanto fez por Montes Claros, Francisco Sá e toda região.


Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.