quarta-feira, 7 de julho de 2010

CENAS BREJEIRAS – II - A NOITE DO BREJEIRO AUSENTE

CENAS BREJEIRAS – II - A NOITE DO BREJEIRO AUSENTE


Enoque Alves Rodrigues

Neste intróito peço permissão a grande escritora que o norte de Minas já produziu, Karla Celene Campos, nascida em Montes Claros mas que durante muitos anos de sua infância e adolescência viveu em Francisco Sá, Membro da Academia Montes-Clarense de Letras, da Academia Feminina de Letras de Montes Claros, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, etc., para apropriar-me de um de seus textos especialmente na parte que irá corroborar com a minha crônica deste final de semana, a respeito de algumas festas do brejo e sobre a noite do brejeiro ausente. Diz Karla:
-“Em todos os mapas, registros e documentos oficiais consta o nome Francisco Sá para a setentrional Cidade. Porem, mais forte que a linguagem escrita, registrada em cartório, é a linguagem falada, informal, sentida. E é essa linguagem dos usos e costumes do coração que faz com que ninguém se refira ao lugar pelo nome oficial. Salvo nos dicionários, não existem Francisco-Saenses, mas sim, Brejeiros. Brejeiros não visitam Francisco Sá, não existe a noite do Francisco-Saense Ausente. Brejeiros visitam o Brejo e para lá retornam quando Setembro chega, para se encontrarem na “Noite do Brejeiro Ausente”. Caprichos do coração, caprichos.”
Quando chega o mês de Setembro, a Cidadezinha do Brejo das Almas se engalana toda para realizar os festejos comemorativos em homenagem a alguns de seus muitos santos - que neste espaço, com intuito de evitar proselitismos, não declinarei nomes até porque desnecessário seria ao mais simples “brejeiro do brejo”-, mas, principalmente para que os brejeiros se confraternizem, incluindo aqueles, assim como este que vos escreve, se acham distantes da querida terra, sendo que para estes, ou seja, nós ausentes, se instituiu, - vejam se não é muita honra para nós-, a “Noite do Brejeiro Ausente”-.
-Curioso e emocionante para nós brejeiros, que por motivos de força maior que requer nossa lide em busca da sobrevivência, ainda que provisoriamente, fomos privados de participarmos, de vivenciarmos a vida cotidiana do lugar. De respirarmos o puro ar exalado dos muitos morros que o cercam. De caminhar por suas ruas, atos comezinhos e desprovidos de qualquer importância para quem vive o Brejo vinte e quatro horas.
-Pois bem, vinha eu dissertando sobre as curiosidades das “Noites do Brejeiro Ausente”. Vamos lá:
-Outrora, pelo menos o assim foram em todas as noites das quais participei, reuníamos, todos nós brejeiros, nascidos no brejo das Almas, ou, como queiram, Francisco Sá, vindos de várias partes do Brasil e do Globo, em local previamente definido para nossas inocentes comemorações. Ali, cada um, em seu modo de se expressar, pois vários não obstante não se acharem ausentes do brejo por muito tempo, traziam, propositadamente ou não, algum sotaque de seu “segundo lugar”. Assim, bastava que o nobre brejeiro abrisse a boca para se saber de onde ele vinha. Tertúlias inocentes e desprovidas de maldades, já o disse, mas muitas delas por vezes “fugiam” ao bom senso e chegavam a beirar as raias da “crueldade” para quem as ouvia e que por alguma razão de princípios não as queria devolver “a altura”. Refiro-me aos muitos “causos” de vantagens e sucessos inatingíveis em tão pouco tempo, que a maioria daqueles brejeiros ausentes, contavam.
-Sabe, Noquinho, falava-me Firmino, dentro de sua calça amarela boca de sino, cinturão grosso a La Roberto Carlos, grande fivela no formato da face de Jesus de Cristo, - febre daqueles tempos até mesmo pelo sucesso da musica  composta por Claudio Fontana e cantada por Antonio Marcos-, camisa verde e sapatos plataforma, saido do Brejo há apenas seis meses: Lá em Belzonte, no Bairro Carlos Prates, onde moro e trabalho na Fábrica de fiação, já consegui fazer o meu pezinho de meia. Em seis meses, já comprei a minha casa que mais se parece a uma mansão. Tenho vários empregados lá para me servir. Acabo de comprar dois “gordinis novinhos em folha”. Só não vim pra cá com eles por que estão sendo licenciados. Não me falta nada lá! Parece que quando eu saí daqui “Deus pôs a mão na minha cabeça”. Lá é o Eldorado que tantos falam. A minha conta no banco nem te conto... Ainda bem que dinheiro não fala...
-Uái, Firmino, perguntei-lhe cercado por uma multidão de crédulos curiosos ávidos por facilidades e dias melhores:
-E como é que você conseguiu tudo isso em tão pouco tempo? Estou em São Paulo há quase dez anos e posso lhe dizer que lá, onde muitos por aqui acreditam que se junta dinheiro com rodo, a coisa não é mole. Levanto-me, todos os dias as quatro da manhã, entro na obra as sete horas, cumpro, as vezes, doze horas de trabalho, vou a Faculdade transportado pelo trem dos estudantes que sai do Brás, chego de volta no meu “muquifo” quase na mesma hora de sair para o trabalho, não tenho ou jamais tive qualquer vicio, e, acredite, sô, que até para eu vir aqui comemorar com vocês não foi fácil. Dê para nós, meu bom moço, a receita para tanto sucesso em tempo tão curto e exigüo?
-Firmino, com seu indefectível ar brejeiro, sorriu... E porque todos o fitassem com olhares inquiridores para obter a resposta que ele, até então, se negava a dar, assim respondeu, forjando, somente para nos gozar, um caipirês que não era dele:
-“Mais ocêis num muda mesmo, eh cambada de molengas! Tá todo mundo ai quereno riqueza fáci. Quer moleza? Vão empurrá bebo na escada... Raspadura é doce mais num é mole... Vai trabaiá, vagabundos! Eu num tenho nada... Cheguei aqui de “cagona” –ele não conseguia falar carona-... É tudo mentira, bando de urubu!
Inté, meu povo... Um grande abraço.
Enoque Alves Rodrigues é divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas e atua nas áreas de Engenharia Civil, Pesada, Obras de Artes, Montagens Industriais e Grandes Estruturas.

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