sexta-feira, 2 de julho de 2010

CENAS BREJEIRAS – I - FRANCISCO SÁ ANTIGO


CENAS BREJEIRAS – I - FRANCISCO SÁ ANTIGO


Enoque Alves Rodrigues

De cócoras, na Alameda Central, ponto de encontro da gente brejeira, conversavam informalmente, Neuzão, Almeida e Manel de Vovó, antigos proprietários de bar no Brejo das Almas de então.
- Pois é, já não sei mais o que fazer com o meu bar. Esta seca medonha que assola o nosso norte de minas está consumindo o “estica o braço” – sim, este era o nome do bar do Neuzão, devido que o bar dele de tão pequeno que era não possuía interior. Os fregueses eram atendidos do lado de fora. Apenas Neuzão ficava lá dentro e quando o infeliz aos berros pedia: “oh, Neuzão, sorta ai um torresmo!!!”. Ele, lá de dentro do bar com o torresmo na mão, respondia: “então estica o braço!!!” e assim o torresmo era pescado pelo faminto solicitante que nenhuma outra visão tinha de quem o atendera, senão a de uma solitária e quase fantasmagórica mão que em átimos de segundos após cumprir sua função de deixar o torresmo na mão de quem o pedira, era imediatamente recolhida a espera de futuras incumbências.
Naqueles tempos bicudos, realmente a maré não estava para peixe lá no brejo. Aliás, nem mesmo maré havia. O “único mar” daquela região agreste de minas, ou seja, o rio verde grande estava secando. Os peixes debatiam-se na lama sobre o fundo do rio onde eram apanhados à mão. Via-se, aqui e ali, alguma planta, dessas que resistem a tudo, como o gravatá, a barriguda e pouquíssimas outras, tentando oferecer algum verde, infrutiferamente. Ouvia-se, ao longe, o estalar de mamonas nos confins do sertão. Até o cantar das cigarras “chamando chuva” era triste e melancólico. Enquanto elas, coitadas, de tão fracas e debilitadas que se encontravam pela secura, antes de iniciarem suas cantilenas se certificavam de que estavam realmente firmes, em local seguro, afim de não caírem ao chão. Ao passo que, no solo, suas rivais, as sempre prestativas e trabalhadoras formigas, transitavam em seu vai-e-vem com folhagens a tinirem-se de tão secas, presas as suas poderosas hastes. Fazia quase um ano que não chovia nada naquela região e o brejo, mesmo com muitas almas e santos, não conseguiu passar incólume. É a natureza cumprindo o seu curso de imparcialidade.
-Com o seu cigarro de fumo de rolo preso entre os dentes, Almeida, outro dono de bar fazia coro a Neuzão.
-Uái, sô, você num imagina que já faiz quse treis mêises qui num entra niuma vivalma no meu bar. Tô passando um perrengue dos diabos. Lá in casa já num tenho mais o armôço pra vendê pra comprá a janta. Num sei mais o qui vô dá pra Creuza cuzinhá. Os bacuri já estão cansados de beldroega e fubá de miio carunchado. Adespois foi grande o meu prejuízo na tentativa de vendê o meu bar prá aquele mardito “seo João”, ferroviário de Montes Claros de uma figa. Magina ocêis que pra impresioná ele eu gastei toda a minha reserva, truxe um montão de gente pro bar pra cumê e bebê de graça enquanto ele me visitava e adespois o desinfeliz ainda veio me falá qui num pudia comprá meu bar apusquê era muito movimentado e que ele já tinha trabalhado muito na vida e qui agora ele queria um negocio só pra passá o tempo e não pra trabaiá. Qui eu devia tamêm pensá nisso apois eu trabaio muito. Qui ele nem pudia imaginá o quanto de dinhero qui eu ganhava com tanto movimento. Qui ele já está apusentado e qui num necessita mais de tanto dinhero para vivê. É mole, meus cumpades!!!
-Manel de Vovó, mineiramente, ou melhor, brejeiramente, só observava. Eram muitos os lamentos dos dois amigos. Estavam, sem dúvida alguma, em situação de penúria. Não. Ele não faria coro a tamanha desgraça! Ainda de cócoras, manuseava entre os dedos uma pequena folha de fumo que pretendia mascar. Sem querer dar o braço a torcer. Mas também desprovido de quaisquer condições que o colocasse em melhor situação que seus iguais interlocutores, balbuciou, de forma quase que inaudível o seguinte:
-Uái, sô. Ocêis arreclama apusquê quere! E apontando para o morro do mocó, lá ao longe, quase inatingível a olho nu, completou: “na barriga do mocó há um tesoro que foi escondido lá pelo bandeirante cujo nome num me alembro. Isto é verdade... num é lêndia...o cumpade firmino mesmo pode confirmá. Ele viu a bola de fogo azú qui sai de tráis do morro e cai lá, exatamente onde o tesoro está. O qui acuntece é qui aqui num tem homes de corage pra ir cumigo lá disinterrá os oro. Apusquê ocêis dois ao invêis de ficá ai chorano misera num vem cumigo? O será coseis tamêm é uns tremendo medrosos qui tem medo de fantasmas?
-Não ouvindo de nenhum dos dois amigos qualquer resposta as suas provocações, decepcionado e supondo-se ser o melhor de todos, bateu-se em retirada.
-É...
-Por vezes é melhor deixar como está para ver como é que fica.
Um grande abraço amigos.
Enoque Alves Rodrigues é divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas e atua nas áreas de Engenharia Civil, Pesada, Obras de Artes, Montagens Industriais e Grandes Estruturas.

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