domingo, 28 de novembro de 2010

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ X – AS ÁGUAS DO GORUTUBA

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ X – AS ÁGUAS DO GORUTUBA


Enoque Alves Rodrigues

Belos tempos aqueles quando juntamente com uma grande turma de moleques todos de uma mesma faixa etária, saiamos para nos divertirmos às margens do velho rio gorutuba, que nasce em Francisco Sá, antigo Brejo das Almas.
Ao contrário de seu lastimável estado atual devido a vários fatores negativos como a pesca predatória, lançamento de resíduos e esgotos em seu belo leito, assoreamento, ausência de matas ciliares em suas margens, naquela época podia se dizer que o rio gorutuba era o principal atrativo que havia em Francisco Sá. Famílias inteiras se dirigiam para lá a cada final de semana, para nadarem em suas límpidas águas, ou simplesmente para observarem suas quedas dágua e o vai-e-vem das lavadeiras ao seu redor.
O rio gorutuba banha várias cidades do norte das Minas Gerais, e seu caudaloso curso de águas ainda desperta muitas atenções até mesmo aos menos observadores. Talvez, quem sabe, pelo simples fato de possuir suas nascentes dentro do município de Francisco Sá, “beldade do norte de Minas”, seja ele tão belo assim.
Piscoso nos tempos de antanho, restam hoje poucas atrações neste setor. Mas ainda continua belo e faceiro.
Muitos cronistas residentes em cidades banhadas pelo gorutuba ao norte das Gerais como Porteirinha, Janaúba e adjascências descrevem-no como um rio em processo de decomposição e com plena carência de revitalizações urgentes. Pura verdade. O processo de degradação do gorutuba foi tão vertiginoso que hoje, mesmo com todo otimismo que possamos ter, é muito difícil recupera-lo. Certo está que jamais voltará a ter a mesma beleza e salubridade de seus tempos áureos. Faz-se, no entanto, indispensável que as autoridades constituídas iniciem, imediatamente, trabalhos sérios com estes objetivos. Caso contrário pouco ou quase nada restará deste que foi o mais lindo rio do norte das gerais senão um triste e melancólico filete de águas turvas e sem vida a deslizarem-se, lentamente, pelos descambados do sertão das Alterosas na esperança de que um dia, quem sabe, volver-se mar. Com muitos espécimes e piscicultura abundante, com águas de um azul cristalino, porém salgadas. Bem, nesse caso, então, será qualquer outra coisa, menos o velho rio gorutuba de nossos sonhos e encantos pueris, que muitas e distantes infâncias embalaram ao som da cantilena formosa de suas águas e do tilintar de seus outrora incontáveis monjolos.
É...
Por vezes, não há nada que a ação do tempo e do homem não consiga destruir.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.
Para me dedicar a revisão de meu próximo livro peço vênia aos meus queridos leitores para diminuir a freqüência de minhas crônicas até finaliza-lo.
Obrigado
Um grande abraço, brejeiros.




domingo, 21 de novembro de 2010

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ IX – MULHER BREJEIRA FINAL

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ IX – MULHER BREJEIRA FINAL

Enoque Alves Rodrigues

Voz baixa, falar pausado como quase todo mineiro, olhar faceiro e discreto. São alguns dos muitos traços que personificam e eternizam a beleza da mulher brejeira.
Maria Quitéria Rodrigues, sobre quem me referia na crônica anterior, traduzia perfeitamente todos estes atributos e virtudes.
Duas semanas após nosso primeiro e desastrado encontro, fui até a casa de sua tia Luiza para me despedir, pois estava de viagem para São Paulo, onde fixaria residência.
- Bom dia, Quitéria. Como vai?
- Bom dia, Noquinho. Tudo bem! E você, como está?
Percebi naquele momento que algo havia mudado, pois ao contrário da vez anterior, já não me chamava mais pelo apelido de “sapo”.
- Pois é, Quitéria. Passei por aqui somente para me despedir de você e de sua tia Luiza. Estou de mudança para São Paulo, aonde pretendo trabalhar continuar os meus estudos. Por aqui as coisas andam muito difíceis!
- E com quem é que você vai, Noquinho? Não me consta que sua família esteja de saída do Brejo. Você sabe, Cidade pequena, todos se conhecem. Todos sabem tudo da vida de todos.
- É verdade, Quitéria!
- Estou partindo sozinho em busca de meu destino. Jamais deixaria o brejo, mas todos sabemos que há momentos que temos que tomar certas decisões na vida até mesmo quando elas no momento nos são doloridas. Se por um lado, não gostaria de sair do brejo, por outro tenho que admitir não ver aqui grandes perspectivas para o futuro que sonhei para mim. São estes alguns dos motivos que me levaram a esta triste decisão.
- Uai, Noquinho. Qual é o tamanho dessas suas perspectivas para que não caibam aqui no Brejo? Veja: Há bem pouco tempo morávamos lá em São Geraldo, pequeno lugarejo, onde para nós o brejo era quase que inatingível, devido aos seus encantos e “grandes dimensões geográficas”. Pouquíssimo tempo depois de para cá vir, você me diz que aqui é pequeno para os seus sonhos? Quais são eles? Diga ai!
- Na verdade, querida Quitéria, não tenho grandes ambições na vida. O que eu quero é poder proporcionar uma vida melhor aos que me rodeiam. O cabo da enxada por aqui, já não dá mais camisa para ninguém.
- E lá em São Paulo, o que é que você vai fazer? Você não está pensando que vai chegar lá e juntar dinheiro com vassoura. As coisas estão difíceis em todos os lugares, Noquinho. Duvido muito que lá seja diferente daqui!
- Com toda certeza, disse-lhe eu-, mas por mais difícil que seja lá, acredito que estará melhor que por aqui.
- Veja como são as coisas do coração, Noquinho: Depois de nossa ultima conversa, parei e meditei tanto e ai cheguei a conclusão que deveria, sim, existir um algo mais entre a gente. Preparava-me para lhe falar isso, quando agora você me vem com esta noticia de viajar. É ou não é coisa do destino? Não tem jeito mesmo!
- Uai, que grande peso teria isso? Seria até mesmo para mim uma motivação a mais para seguir lutando, o saber que aqui há alguém a esperar.
- É, disse-me, Quitéria: você sabe que por aqui as coisas não são bem assim. Não tenho porque lhe esperar, pois ninguém sabe quando irá voltar. De repente chega lá, se engraça com uma Paulista e aí, adeus, Quitéria.
- Não seria tão volúvel assim. Mas pensando bem, o melhor mesmo para que ninguém saia machucado e conservar as boas amizades que sempre existiram entre nós e nossas famílias, é deixar as coisas como estão para vermos como é que ficam.
- Sendo assim, até mais ver, Quitéria!
- Até mais ver, Noquinho. Que Deus te acompanhe, “meu lindo”!
- Amém!
- Meu lindo? O que! Ouvi bem?
Não. Convencido estava o “eu franzino”, o “eu pobre”, o “eu matuto, sem instrução”, o “eu limitado a mais extrema insignificância do ser”, e que jamais “bala teria na agulha suficiente para derrubar aquele tremendo avião de beleza e formosura”. Será?
Pobre mente humana, era a minha que se atinha a coisas tão fúteis e banais da materialidade do ser, que não conseguia enxergar ali as grandes potencialidades das quais somos todos nós dotados e que as coisas e as pessoas não se medem com a régua do coração, cujas escalas, são infinitamente incomensuráveis.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.










sábado, 13 de novembro de 2010

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ VIII – MULHER BREJEIRA

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ VIII – MULHER BREJEIRA

Enoque Alves Rodrigues

É muito difícil ou quase impossível, até mesmo ao melhor dos poetas, definir o quão lindas são as mulheres brejeiras. Rosto redondo, pele morena aveludada, olhar firme e faceiro, boca carnuda, sorriso franco e aberto e o mais importante, extremamente prendadas.
Pois é, Maria Quitéria Rodrigues, não, não era minha parenta, conseguia ser tudo isso e um pouco mais. Traquinas e sapeca desde a infância lá em São Geraldo, no município de Francisco Sá, onde estudava comigo no Grupo Escolar. Começava ali o meu “calvário” nas mãos dessa deusa.
Pequenos mirrados e ainda cheirando a leite, comecei a receber dela, aquela que seria uma série interminável de bilhetinhos: “Você é o meu príncipe encantado”. “Você quer namorar comigo?”. Foi assim durante toda a nossa infância. Eu me olhava no espelho e não via nada além do menino feio que era: raquítico, queimado pelo sol escaldante das gerais e que ainda por cima tinha o apelido de “sapo”. Todos os meninos e meninas, menos ela, me chamavam de “sapo”.
Muito tempo depois, já adolescentes no brejo para onde ela se mudou primeiro para concluir os estudos, encontramo-nos. Nem sombra daquela menininha feia e desdentada de outrora. Ao contrário, tornara-se uma autêntica “mulher brejeira”. Esbelta, corpo escultural. Chega! Já tentei definir a mulher brejeira no intróito desta missiva e não consegui.
Pensei comigo: puxa vida, a Maria Quitéria bonita desse jeito não vai me dar atenção. Vai fingir que não me conhece ou que jamais antes vira na vida esse matuto. Ledo engano: Em nada havia mudado. Ao contrário. Ao ver-me, abriu os braços e aquele eternamente inconfundível sorriso da infância, partindo em minha direção proferindo estas palavras:
- “Sapo do Céu. O que você está fazendo aqui no brejo, menino? Você veio estudar? Sua família veio com você? Sabe, “sapo”, eu jamais consegui te esquecer!
- Me recordo como hoje de nossa infância em São Geraldo: lembro de nossa escola, de nossa turma, de nossas brincadeiras durante os recreios, dos piqueniques, das fogueiras de São João, dos fogos de artifícios. E o nosso Natal, “Sapo”, como era lindo! E aqueles biscoitos de polvilho que sua mãe fazia e mandava você levar lá em casa, lembra?
- Sim, lembro-me, perfeitamente!
- Olha, “sapo”, a conversa está muito boa mais eu tenho que ir. Estou estudando para as provas finais e desejo muito passar de ano para seguir meus estudos, pois pretendo ser advogada.
- Que bom, Quitéria, creia-me imensamente feliz por tê-la encontrado depois de tanto tempo. Principalmente por ver o quanto você está bonita e por saber que continua estudando para progredir na vida!
- Obrigada, “sapo”, mas eu também vejo que você melhorou muito... Cresceu. Ganhou corpo...Também está estudando. Fico feliz por você, “sapo”, sinceridade!!!
- Ótimo! E quando poderei voltar a vê-la?
- Qualquer dia desses, “sapo”. É só você passar lá em casa, na Rua Montes Claros, que a gente proseia mais como nos velhos tempos. Estou morando com a tia Luiza.
- Bem, “sapo”, agora eu tenho que ir mesmo... Até mais vê!!!
- Quitéria...
- Fala aí, “sapo”!
- Você se recorda que me chamava de seu príncipe encantado em sua infância e que você era a única menina que não me chamava pelo apelido?
- Me recordo, perfeitamente. Afinal não faz tanto tempo assim!
- Uai, e porque agora você só me chama de sapo ao invés de utilizar dos mesmos adjetivos da infância ou caso os tenha esquecido, ao menos pelo diminutivo de meu nome “Noquinho” como todos me tratam hoje?
- É que a vida passa, “sapo” e as coisas mudam! Quando éramos crianças e eu lhe via como um príncipe encantado, você não correspondeu. Me ignorou. Se você tivesse cultivado a ingênua pureza daqueles meus sentimentos, quase certo seria que eles tivessem se transformado no algo mais que você agora, sem nenhuma chance, deseja. No entanto, como você, quando devias, não os correspondeu, o meu encanto virou desencanto... E o meu príncipe encantado virou o sapo que você sempre foi...
- Sendo assim, Quitéria, estou no “brejo”. No lugar certo... Me atirarei em uma dessas muitas lagoas...
- Inté mais vê, Quitéria...
Lencinho branco acenando...
- Vai com Deus, “Sapo”
É, por vezes não se deve desperdiçar as oportunidades por mais simples que pareçam ser. Elas se assemelham a um cavalo arriado: se você não se jogar na hora certa, bate com os fundilhos no chão.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.







sábado, 6 de novembro de 2010

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ VII – UM BREJEIRO EM APUROS

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ VII – UM BREJEIRO EM APUROS

Enoque Alves Rodrigues

As coisas e as pessoas estão em constantes modificações. Assim sendo, o que não está melhorando, está piorando. A vida não é estática, é dinâmica. Dizia já naqueles longínquos tempos um grande personagem cuja historia se fundia com a de Francisco Sá, o velho Brejo das Almas.
No entanto, apesar de seu otimismo, mesmo confiante de que dias melhores viriam cobrir de êxito sua pobre vida, o que se via, na prática cotidiana era o cumprimento do último jargão de tão importante frase de efeito: sua vida piorava a cada dia. Os negócios no “Estica o Braço” não iam bem. De há muito que a freguesia, já escassa, fugira de seu estabelecimento. As coisas no velho Brejo das Almas efetivamente não estavam boas. As “marés dos mares de minas”, ou melhor, do lindo e caudaloso rio Gorutuba não estavam mesmo para peixe. A seca grassava grande parte do Brasil e o sertão das gerais, nesse caso, é o que mais sofria.
O que fazer? Como conseguir condições mínimas para dotar a si e a sua família brejeira do básico necessário para que não morressem de fome? Aonde é que foram parar os amigos? Os fregueses a quem, por diversas vezes vendera várias doses de Maria Rita na base do fiado?
Não. Não era possível que ninguém viesse a seu socorro! E lamentava: como é que pode? Sai da lavoura há muitos anos exatamente para não passar por isso. Montei esse bar com tanto sacrifício e agora, sem mais nem menos passo por esse eterno e interminável perrengue? Não, não me conformo. Parece até que é coisa mandada. Outros bares estão progredindo e aos poucos se mantendo. Mas o meu, não. É este marasmo. Ouve-se até mesmo a respiração das moscas a fazerem-me companhia.
Neuzão. Esse era seu nome, lamentava de um lado para outro no exíguo espaço interior que restava de seu Bar. Sim, o bar de Neuzão praticamente não possuía interiores. Lá só cabia ele próprio que atendia os fregueses, nos áureos tempos das vacas gordas, do lado de fora. Ou seja, o brejeiro sedento de uma caninha para afogar as mágoas, do lado de fora fazia seu pedido a Neuzão que lá dentro pegava a “mardita”, colocava no copo e aos sussurros pedia ao solicitante que esticasse o braço para receber o copo com a dita cuja de suas mãos. Era mais ou menos assim: O freguês chegava, subia em uma pequena saliência alta a guisa de soleira, punha a cabeça no nível da abertura da janela e sem mesmo conseguir ver a cara de Neuzão ia logo dizendo:
- Oh, Neuzão. Você está ai?
Lá do fundo, em meio a densa escuridão do ambiente, Neuzão respondia:
- “Tô, sim! Pode falá qui eu te escuito!”
- O que é que ocê deseja?
Bem, ouvindo dessa forma, qualquer vivente seria induzido a pensar que naquele boteco desprovido até mesmo de um interior, tivesse outras iguarias que não fosse somente cachaça.
- Desce ai, para seu amigo Firmino aqui que vos fala, aquela água que passarinho não bebe. Ou melhor, aquela cana que não brota mais.
- Ocê quer com jibóia ou sem jibóia? Perguntava Neuzão.
- Neuzão... Você está doido, homem? Esqueceu-se que eu sou solteiro? Cana com jibóia é só para homem casado. Homem que tem mulher. E eu sou solteiro de nascença!
- “Ah, ta bom, Firmino, dizia Neuzão, procê tem que sê mesmo cana sem jibóia porque senão ocê vai fazê bestera por ai. Vai acabá saindo daqui direto para a casa da dona...”
Enquanto falava, carregava o copo que uma vez cheio e pronto para a degustação miserável dizia para o interlocutor:
- Pronto, taqui. “Estica o Braço”.
Sedento, esticava o braço e de uma só vez solvia aquele liquido destilado em algum dos muitos alambiques da região do Brejo das Almas e dessa maneira, por alguns instantes sentia-se o pobre bebum transportado ao Paraíso por lindas carruagens de fogo, esquecendo-se, ainda que por pouco tempo ou enquanto durasse o efeito do álcool no debilitado organismo, da triste, cruel e despropositada vida sem nenhuma perspectiva de sucesso aparente, ainda que a longo prazo.
É...
Naqueles tempos bicudos o Brejo não era fácil.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.