sábado, 23 de outubro de 2010

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ V – GERALDINO FOGUETEIRO

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ V – GERALDINO FOGUETEIRO
Enoque Alves Rodrigues

Ele vivia num velho casarão bem no inicio de onde hoje é a Rua João Catulino Andrade, em pleno centro. Já não sabia mais o que fazer. Até ali, tudo dera errado em sua vida. O pai, Antonio Carlos havia abandonado sua mãe quando ele ainda era menino. Sequer conseguia lembrar-lhes à feição. A mãe, Maria Lavadeira, sustentou-o, enquanto pode, com o oficio que galhardamente levava no sobrenome. Várias famílias razoavelmente abastadas do antigo Brejo das Almas davam-lhe suas vestimentas de época para serem lavadas. Trouxas e mais trouxas eram batidas com sabão em forma de bola, feito do mais puro sebo de boi, sobre uma já lisa e desgastada pedra, colocada estrategicamente pela mãe natureza nas barrancas do rio São Domingos que nasce na serra do Catuni. Geraldino, sim, este era o seu nome, pequenino a acompanhava nesta lide. Enquanto a mãe Maria batia as roupas sempre a cantarolar alguma cantiga nativa do velho Brejo, ele postava-se em curta distância da mãe com uma pequena vara com um mínimo anzol a ponta de uma linha, onde pescava algumas piabas que ali mesmo eram assadas sobre uma pequena pedra aquecida com fogo. Lá mesmo, ou seja, na beirada do rio, as consumiam.
Muitos anos depois, Maria Lavadeira, depois de uma grande história de vida e amor ao Brejo, partiu desta vida deixando nosso Geraldino só. Não tinha nenhuma profissão que pudesse suprir sua subsistência. Foi ai que o amigo Caetano Dias, cuja família hoje é tradicionalíssima do lugar, ofereceu-lhe aquilo que se poderia chamar de a “grande chance”: Fabricar foguetes. O Brejo das Almas, hoje ou desde 1938, Francisco Sá, sempre foi muito festeiro. Deve isso a várias comemorações de uma infinidade de santos que o apadrinham.
Bem, como vinha dizendo, Geraldino vivia à beira do desespero. Não obstante ter obtido algum sucesso no fabrico de fogos, quando ainda jovem, agora estava velho e quase acabado e, o pior, com a nítida sensação de que passara toda a vida trabalhando sem resultado. Não conseguira fazer sequer um pequenino pé de meia. Lamentava o fato de não ter se casado e a ausência de filhos. Puxa vida, dizia, se pelo menos eu tivesse tido filhos quem sabe hoje algum deles pudesse me sustentar. Não agüento mais trabalhar. O corpo só pede descanso. Mas é ai que está o meu problema: cobra que não anda não engole sapo... mas como é que eu vou andar se sequer consigo levantar desta maldita cama?
Na manhã seguinte, como que num passe de mágica, levantou-se mais que disposto. Dirigiu-se até a velha fabriqueta de foguetes e em posição de extrema reverência pediu a quem estivesse “lá do outro lado” que o ajudasse a se erguer daquela vidinha miserável e sem graça. No afã de livrar-se de seu pesado fardo, ou quiçá na empolgação do momento, acabou prometendo o que talvez mesmo que vivesse uns trezentos anos jamais poderia cumprir: Caso conseguisse sucesso em sua trajetória de fabricante de fogos e se aquelas forças lhe devolvessem a sua saúde, disposição e jovialidade para que seguisse trabalhando, subiria, de joelhos, o morro do mocó e, de lá, em pleno cume, soltaria uma rajada de fogos numa manhã primaveril saudando todos os santos do mês de setembro.
Incrivelmente, passou a progredir. Encomendas eram feitas dos mais longínquos confins das Alterosas. Era lindo de se ver o vai e vem dos carros de bois descendo a serra com seus ressequidos cocões (quatro paus verticais que prendem o eixo dos carros de bois) a rangerem-se numa cantilena piedosa e ao mesmo tempo alegre em direção a agora grande e progressista “Fábrica Brejeira de Fogos de Artifícios”. Tropas de burros varavam o sertão durante a noite e na manhã seguinte já estavam pastando em frente a fábrica de Geraldino Fogueteiro, na cansativa espera do carregamento, para retornarem aos seus locais de origem.
“O homem cresceu. O homem mudou”, já dizia o poeta. Agora, rico, sequer pairava-lhe à mente quaisquer resquícios do que antes, no desespero prometera, sabe-se lá, para quem.
Pois bem, inesperadamente, do mesmo jeito que veio o sucesso, sem que nenhum fato relevante o justificasse, numa tarde triste e chuvosa, daquelas que antanho acometiam o velho Brejo das Almas, Geraldino, sem mais nem menos, como que por encanto, voou pelos ares.
Na chamada oral feita pelo professor Neco Surdo no Grupo Escolar onde Geraldino, já velho, estudava, na aula do dia seguinte travou-se o curioso diálogo narrado pelo grande e inimitável historiador Brejeiro Geraldo Tito Silveira:
- “Geraldino Fogueteiro...
- “Ele morreu queimado com pólvora, respondeu um espoleta qualquer, seu ex-colega de classe...
É...
Por vezes, dizia Shakespeare, “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

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