sábado, 12 de março de 2011

AS JÓIAS DO BREJO V – BIMBIM DO MERCADO

AS JÓIAS DO BREJO V – BIMBIM DO MERCADO


Enoque Alves Rodrigues

Durante vários anos, por mais de duas décadas, ele chegava, sempre por volta das 6 horas da manhã, sentava-se sobre um velho caixote de verduras e ali ficava por todo o dia, debaixo de chuva e sol. O que ele trazia no caixote para vender no mercado? Nada! Parecia tratar-se de mais um daqueles personagens que a vida de quando em vez trás à baila para prosseguirem caminhando por ela, sem destino algum, sem eira nem beira, ou desprovidos de quaisquer perspectivas e objetivos de alguma relevância. Esses indivíduos que nós muitas vezes do alto de nossa ignorância insistimos em chamar de loucos, tem, certamente, suas missões honrosas a cumprirem aqui na terra as quais nós, no estagio atual em que nos encontramos, as desconhecemos inteiramente.
A todos quantos entrassem naquele tempo no velho mercado de Francisco Sá, Brejo das Almas, “beldade do norte de minas”, era recebido por Bimbim, que sempre educado e cordial, ficava sempre postado à porta de entrada, com um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. “Como estás?” “E a família, como vai?”
Enquanto ele dialogava com as pessoas, o seu cachorro, um vira latas... –uai, sô, você já viu algum desses belos seres desacompanhados de um ou mais cachorros?- de pelo marrom, com duas grandes pintas nas costelas, olhos grandes, sendo um vazado por alguma estripulia do passado distante, lambia as pernas do interlocutor, pernas estas devidamente protegidas por uma belíssima calça boca de sinos a coqueluche da ocasião.
Antonio Maria da Silveira Pena, esse era o nome de Bimbim, que apesar de pomposo, principalmente no que diz respeito aos sobrenomes “Silveira” e “Pena”, posso afirmar, depois de ter realizado pesquisas genealógicas, que nenhum parentesco tinha ele com qualquer ramificação destas famílias tradicionais do Brejo das Almas que ostentam esses sobrenomes.
-Bimbim, de onde você é? Perguntavam-no.
-Sei lá, eu? Respondia sempre. Quando me dei por mim já estava no mundo e minha mãe não viveu o suficiente pra me contar!
-Você conhece algum parente, Bimbim? - Perguntava-lhe outro mancebo curioso por saber as origens do personagem.
-Conheço não! E se existe num me foi apresentado!.
-“Mais onde você mora? Isso sim, você com certeza sabe! -, dizia outro.
-É claro que eu sei. Eu moro lá no Catuni, bem na barriga da serra. É lá que eu tenho o meu rancho lá no sitio, onde crio as minhas galinhas poedeiras, planto as minhas hortaliças, caço preás e pesco os bagrões do são domingos...
-Uai, espera um pouco. Então você é um homem cheio de atividades!
-Sou!
-E com que tempo você faz tudo isso, se passas a maior parte do dia aqui no mercado sentado nesse caixote?
-E o sitio, é seu?
-E porque você não traz verduras e ovos para vender aqui? Sim, porque a gente não lhe vê vendendo nada. Esse caixote está sempre vazio. Aliás, a noite, quando você não está sentado nele, ele está sempre amarrado com uma corrente naquela árvore...
-Você pergunta muito, respondeu Bimbim, aparentando algum desconforto diante daquele bombardeio tolo, de perguntas vazias e desconexas. Mesmo assim, do alto de sua educação, inteligência e bondade, passou a comentar aqueles questionários, elegantemente.
-Procuro aproveitar bem o tempo que Deus me deu. Concilio essas atividades as quais exerço na maioria das vezes à noite, com o prazer que sinto em ficar aqui sentado nesse caixote, falando, ouvindo e aprendendo com vocês. Não obstante muitos de vocês ainda pensarem que eu sou um louco, creio que a vida tranqüila e sossegada que levo me propicia algum equilíbrio que de certa forma, me coloca em estágio distante dessa classificação.
Quanto ao caixote vazio e de possuir alguma coisa que eu poderia estar vendendo aqui, quero informar que não tenho tantas necessidades materiais assim. A maior necessidade que tenho hoje e que venho, para a minha felicidade, suprindo a algumas décadas, é a de estar aqui, fazendo amigos. Isso é o que mais me conforta já que durante toda a minha vida, vivi só.
No que se refere sim, ele é meu. Comprei-o ainda na adolescência. Lá onde durmo e aqui onde falo que escolhi para passar a vida para depois morrer com dignidade. A importância da vida, caro amigo, -dizia ele ao interlocutor mais próximo-, não está em ganhar dinheiro o tempo todo, mas em saber usufruir do tempo que a vida, muito curta por sinal, nos oferece. Muitas vezes o que pode parecer loucura ou esquisitice para muitos, como o fato de eu passar, horas a fio, sentado neste caixote, em frente a este mercado, é para mim a maior das diversões e prazeres da vida. Ai você me diz: Cada louco com a sua mania.
E eu lhe respondo:
Quem sabe!
É...
Por vezes, as aparências enganam. É dizer: não julgues pelas aparências. Nem sempre elas estão com a razão.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.



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