sábado, 13 de novembro de 2010

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ VIII – MULHER BREJEIRA

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ VIII – MULHER BREJEIRA

Enoque Alves Rodrigues

É muito difícil ou quase impossível, até mesmo ao melhor dos poetas, definir o quão lindas são as mulheres brejeiras. Rosto redondo, pele morena aveludada, olhar firme e faceiro, boca carnuda, sorriso franco e aberto e o mais importante, extremamente prendadas.
Pois é, Maria Quitéria Rodrigues, não, não era minha parenta, conseguia ser tudo isso e um pouco mais. Traquinas e sapeca desde a infância lá em São Geraldo, no município de Francisco Sá, onde estudava comigo no Grupo Escolar. Começava ali o meu “calvário” nas mãos dessa deusa.
Pequenos mirrados e ainda cheirando a leite, comecei a receber dela, aquela que seria uma série interminável de bilhetinhos: “Você é o meu príncipe encantado”. “Você quer namorar comigo?”. Foi assim durante toda a nossa infância. Eu me olhava no espelho e não via nada além do menino feio que era: raquítico, queimado pelo sol escaldante das gerais e que ainda por cima tinha o apelido de “sapo”. Todos os meninos e meninas, menos ela, me chamavam de “sapo”.
Muito tempo depois, já adolescentes no brejo para onde ela se mudou primeiro para concluir os estudos, encontramo-nos. Nem sombra daquela menininha feia e desdentada de outrora. Ao contrário, tornara-se uma autêntica “mulher brejeira”. Esbelta, corpo escultural. Chega! Já tentei definir a mulher brejeira no intróito desta missiva e não consegui.
Pensei comigo: puxa vida, a Maria Quitéria bonita desse jeito não vai me dar atenção. Vai fingir que não me conhece ou que jamais antes vira na vida esse matuto. Ledo engano: Em nada havia mudado. Ao contrário. Ao ver-me, abriu os braços e aquele eternamente inconfundível sorriso da infância, partindo em minha direção proferindo estas palavras:
- “Sapo do Céu. O que você está fazendo aqui no brejo, menino? Você veio estudar? Sua família veio com você? Sabe, “sapo”, eu jamais consegui te esquecer!
- Me recordo como hoje de nossa infância em São Geraldo: lembro de nossa escola, de nossa turma, de nossas brincadeiras durante os recreios, dos piqueniques, das fogueiras de São João, dos fogos de artifícios. E o nosso Natal, “Sapo”, como era lindo! E aqueles biscoitos de polvilho que sua mãe fazia e mandava você levar lá em casa, lembra?
- Sim, lembro-me, perfeitamente!
- Olha, “sapo”, a conversa está muito boa mais eu tenho que ir. Estou estudando para as provas finais e desejo muito passar de ano para seguir meus estudos, pois pretendo ser advogada.
- Que bom, Quitéria, creia-me imensamente feliz por tê-la encontrado depois de tanto tempo. Principalmente por ver o quanto você está bonita e por saber que continua estudando para progredir na vida!
- Obrigada, “sapo”, mas eu também vejo que você melhorou muito... Cresceu. Ganhou corpo...Também está estudando. Fico feliz por você, “sapo”, sinceridade!!!
- Ótimo! E quando poderei voltar a vê-la?
- Qualquer dia desses, “sapo”. É só você passar lá em casa, na Rua Montes Claros, que a gente proseia mais como nos velhos tempos. Estou morando com a tia Luiza.
- Bem, “sapo”, agora eu tenho que ir mesmo... Até mais vê!!!
- Quitéria...
- Fala aí, “sapo”!
- Você se recorda que me chamava de seu príncipe encantado em sua infância e que você era a única menina que não me chamava pelo apelido?
- Me recordo, perfeitamente. Afinal não faz tanto tempo assim!
- Uai, e porque agora você só me chama de sapo ao invés de utilizar dos mesmos adjetivos da infância ou caso os tenha esquecido, ao menos pelo diminutivo de meu nome “Noquinho” como todos me tratam hoje?
- É que a vida passa, “sapo” e as coisas mudam! Quando éramos crianças e eu lhe via como um príncipe encantado, você não correspondeu. Me ignorou. Se você tivesse cultivado a ingênua pureza daqueles meus sentimentos, quase certo seria que eles tivessem se transformado no algo mais que você agora, sem nenhuma chance, deseja. No entanto, como você, quando devias, não os correspondeu, o meu encanto virou desencanto... E o meu príncipe encantado virou o sapo que você sempre foi...
- Sendo assim, Quitéria, estou no “brejo”. No lugar certo... Me atirarei em uma dessas muitas lagoas...
- Inté mais vê, Quitéria...
Lencinho branco acenando...
- Vai com Deus, “Sapo”
É, por vezes não se deve desperdiçar as oportunidades por mais simples que pareçam ser. Elas se assemelham a um cavalo arriado: se você não se jogar na hora certa, bate com os fundilhos no chão.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.







Um comentário:

  1. Bacana esse teu texto Enoque. Eu estava procurando por esse tema. Uma amiga me pediu um texto - eu escrevo por passa tempo, assim como voce - então eu joguei no google pra ver no que dava. Ainda não achei o que procurava, mas encontrei um texto muito bonito.
    Parabéns e grande abraço.

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