sábado, 1 de maio de 2010

FATOS E PERSONAGENS DO ANTIGO BREJO DAS ALMAS – FINAL

Então, Noquinho, disse-me, Badú, quase que eu ia me esquecendo de te contar: Sabia que lá no Brejo voltou a antiga corrida em busca do ouro que o Sargento Mor Jerônimo Xavier de Souza, escondeu há vários séculos, lá no Morro do Mocó, ou precisamente na Fazenda de Antonio Miranda?
Uái, sô, que conversa é essa, Badú. Todos sabem que isso jamais passou de lenda! Você não se recorda que desde nossos tempos de meninos esse assunto sempre esteve em evidência mais que de concreto mesmo, até hoje não se há nada?
Quantas vezes varamos noites em claro juntamente com inúmeros conterrâneos em nosso observatório próximo ao Cemitério, olhando para o Céu tentando ver a tão sonhada “bola de fogo azul” que segundo se noticiavam, saia sempre por detrás do Morro do Mocó e vinha subindo em direção a sua parte mais alta e, de repente... pfaft: caia exatamente nas proximidades da casa da fazenda de Antonio Miranda, abrindo uma tremenda cratera, sumindo, quase que misteriosamente, solo abaixo, o que mais atiçava a cobiça e curiosidade dos brejeiros que de enxadas, pás e picaretas em mãos, empreendiam uma perseguição frenética e implacável aquela misteriosa bola de ouro, na qual, no entanto, até hoje ninguém jamais conseguiu por a mão?
Sim, Noquinho, voltou a dizer-me, Badú: Mais dessa vez a coisa é mesmo séria. Imagina que até mesmo o Paulo Lambreta viu a tal bola descendo do Céu e no dia seguinte todos rumaram para lá. Foi uma correria danada. De lá para cá o povo não parou mais de procurar. Dá até pena, Noquinho você observar hoje a buraqueira que está a barriga do morro mais ouro que é bom até agora, “necas”.
É possível, Badu, que estes boatos estejam sendo disseminados por alguém que esteja querendo se divertir ás custas de nossa gente simples e pacata... Há quem ainda consiga ver graça em algo dessa natureza.
Pode até ser, Noquinho, mais até eu mesmo estou acreditando que dessa vez eles irão por as mãos nesse tesouro. Começo até a me arrepender de ter vindo para São Paulo. Eu gostaria tanto de estar no Brejo quando este tesouro for descoberto!!!
Quem está liderando esta corrida ao ouro da “Serra Pelada Brejeira”, Badú?
Ah, Noquinho, eu lhe digo: É tudo gente séria: Mateus Velho, Juca Brinco, Carlão da Nena, Zé Veloso, Manel da vovó, Carlinho chocro de “lagoa seca”, Janjão “do caititu”, Mariana da Mata, seu Padrinho “Rosalino e todos os seus camaradas”, Praxedes de “vaca morta”, Eunicinha e seo João “zarôio”, Bimbim e muitos outros que eu não consigo me lembrar.
Bem, disse-lhe eu: pelo que vejo a coisa é realmente séria. A nós que aqui estamos, tão distante, nos resta ficar torcendo para que eles logrem êxito nesse mais novo intento para que, quem sabe um dia, possamos lá retornar e encontrar “todo mundo rico” e o mais importante: “sem fazer muita força!”.
É mesmo, Noquinho: eu rezo tanto pela nossa gente. Peço para que Deus proteja o nosso povo brejeiro. Que os mantenha com essa fé inabalável, sempre! Que faça com que o tão cobiçado e perseguido ouro do “maldito” Bandeirante, um dia apareça. Mais, se porventura, não for possível Ele me atender, que pelo menos mande chuva para que as plantações cresçam viçosas e possam encher o nosso Brejo de fartura... O Brejeiro, Noquinho, como você sempre disse, é um caboclo que nasce predestinado a por a mão no ouro fácil do Bandeirante, lutar, tenazmente pela sobrevivência sem sair do Brejo, ou, o mais provável assim como nós e muitos outros fizeram: Largar o Brejo em busca de um futuro melhor. Para que um dia possa retornar ao Brejo em condições melhores. Não tem outro jeito, não... O homem que nasce em Francisco Sá, ou melhor, em São Gonçalo do Brejo das Almas, ou já nasce rico, e ai terá sempre o privilegio de lá permanecer, ou se nasce pobre, não lhe restando nenhuma outra alternativa, senão esperar pela “bola de fogo” do Morro do Mocó no Brejo ou “dá no pé. Cair no Mundo. Fazer rastros pela vida. Sun Paulo direto...”
Falávamos, quando, eis que de repente surge à nossa frente a “figura” do Mestre da Obra, “Seo” Zé Ivan, Paraíba. O que é que “vocêis” tanto conversam, “dois meninos?”, indagou-nos.
-Estamos aqui, em nosso intervalo, “grande mestre”, recordando do nosso “brejo”, de nossa gente...
O Mestre José Ivan da Silva Furtado, de quem já tive a oportunidade de falar aqui, era realmente uma figura. Senão vejamos:
Dois metros e seis centímetros de altura. Barriga saliente. Dois reluzentes dentes caninos cobertos de ouro os quais ficavam sempre a mostra, devido o querido mestre possuir lábios leporinos. Trajava-se à caráter, ou melhor a moda de Mazzaropi e Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, pois usava camisas folgadas, em tecido xadrez, preferencialmente remendadas, com duas grandes algibeiras, onde numa ele punha seu inseparável “romance de cordel” que por ele não saber aquela época ler, era minha a atribuição de fazer a leitura dessas obras para ele, obras estas de grande aceitação entre os nossos irmãos nordestinos de onde ele provinha. Na outra algibeira, ou seja, na do lado esquerdo, “do lado do coração”, ele colocava a foto de sua adorada, porém muito distante esposa, “Dona Sabastiana” que ficara em sua querida Campina Grande. A calça que ele usava, era sempre a famosa “arranca toco”, pois nunca passava da metade da canela. Isso muito o assemelhava ao jeca dos cafundós do Brasil tão bem representado pelo Amacio Mazzaroppi, o jeca de Taubaté, mais que na verdade, nasceu no Bairro do Brás, aqui na Capital de São Paulo. Até mesmo a forma de prender o cinto sobre a camisa “na boca do estômago” era idêntica. Nos bolsos laterais de sua calça “arranca toco”, o mestre punha do lado esquerdo, seu “patuá” onde trazia fumo de rolo picado, palha de milho para cigarro e uma não menos inseparável “binga”. Sim, não era isqueiro. Naquele tempo era binga mesmo. Consistia aquela pequena geringonça numa pequena pedra, uma barrinha chata de aço, um pedacinho de chifres com algum pó dentro. Quando o Mestre queria pitar, para fazer fogo, ele atritava a barrinha de aço na pedra sobre o chifre cujas faíscas acendiam o tal pozinho sobre o qual ele levava o cigarro. A semelhança com o Lampião estava no chapéu de couro, do qual o Mestre não abria mão, apesar da obrigatoriedade do uso de capacetes brancos para sua função, preferia seu velho chapéu que compunha de três estrelas sendo a maior delas localizada ao meio da aba quebrada do chapéu. Um tanto “sinistra” a figura do Mestre Zé Ivan, mas jamais convivi com pessoa tão bem humorada, simpática e cordial. Quando eu lia para ele nos intervalos do almoço, a “peleja de Lampião e Antonio Silvino” na tal Literatura de Cordel, quando chegava na fala de Lampião: “Minha mãe, voltei pra trás. Não fiz mais porque não pude. Deixei sangue derramado. Que dá para encher açude. Para vingar a morte de meu pai. Só quero que Deus me ajude...” O Mestre ouvia essas “balelas” com tanta atenção, compenetrado, mesmo. Como se versos fossem de Antonio Frederico de Castro Alves, o grande Poeta dos Escravos. Ao final, dava uma longa e interminável gargalhada e exclamava! “Eita que tremendo cabra-macho era esse Lampião... Tá veno, Zé Agusto. (Era assim que ele me chamava). Home de tutano e corajoso como Lampião, só se faz lá no Norte. É por isso que eu tenho muito orgulho de ser de lá...”
-E este tal de “Brejo” que vocês tanto falam, “Zé Agusto”, é um buraco ou é uma lagoa?”.
-Não, querido Mestre, Francisco Sá, ou como carinhosamente ainda hoje a chamamos “Brejo das Almas”, é uma Cidadezinha encravada em um cantinho estrategicamente reservado pelo Criador desde os primórdios dos tempos, para nos servir de berço, da qual, assim como o senhor ao se referir a sua Terra, também muito nos orgulhamos e amamos, apesar de ela ainda não nos oferecer o suficiente para que lá vivamos, ou talvez, quem sabe, são os nossos sonhos e anseios bem maiores que as nossas necessidades.
-Entendo “Zé Agusto” e Badú: As coisas na maioria das vezes não são tão “difices” assim. “É nóis que fazemo com que tudo seja ruim mais na verdade a vida é um colosso.” Sábias palavras para uma pessoa culturalmente tão simples como o Mestre “Zé Ivan”. Juntos, convivemos vários anos naquele e em outros projetos. Ao me formar, me transferi de empresa, mas levei-o comigo. Não poderia me afastar daquele Anjo de Luz e Bondade que tanto me ajudou. A duras penas consegui com que ele se alfabetizasse. Criou gosto pela leitura. Descobriu os segredos do “be-á-bá”. Aposentou-se mais não quis parar de trabalhar, apesar de ter conseguido seu pequeno quinhão que lhe permitia agora uma vida mais tranqüila. Parar, não, “Zé Agusto”. Parar enferruja e morre... Só que as suas pobres vistas, apesar de seus óculos de fortes graus, não mais correspondiam. Dessa forma tocava a mim, agora, com o peso de todo o projeto e execução de uma obra sobre as costas, seguir fazendo a “leitura do meio dia” da Literatura de Cordel, para o agora velho, alquebrado, mais eternamente amantíssimo Mestre. Era o mínimo que eu poderia retribuir a quem tanto por mim fizera. Lealdade, fidelidade, simplicidade, cordialidade, respeito e dedicação aos que um dia em uma curva qualquer do destino nos estenderam à mão, são sentimentos puros de quem deseja vencer na vida. E tome cordel de Lampião sobrepujando seu desafeto Antonio Silvino, em seu relato a sua mãe: “era ele doente. Todo levado das brecas. Não tinha força nos braços. Nem  tampouco nas munhecas. Sofria ele, paludismo. Doença que ataca o Jeca!..”
Um grande abraço brejeiro para vocês, meus queridos conterrâneos.
Inté...
Semana que vem estarei escrevendo sobre os catopês de nosso antigo Brejo.
Enoque A Rodrigues
Saibam mais sobre Francisco Sá – Brejo das Almas em meus blogs:







 
 
Francisco Sá

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