Enoque Alves Rodrigues
Tardes tristes e modorrentas eram aquelas tardes da Francisco Sá do inicio dos anos 1970. Se durante os dias úteis da semana o brejeiro, envolvido com a luta pela sobrevivência nem sentia o tempo passar, tomado que era pela árdua lide diária. Aos domingos, único dia reservado para seu descanso, não tinha quase nada de novo a fazer. A Cidadezinha, pródiga em pontos turísticos lindos e atrativos aos forasteiros, não oferecia mais nenhuma sensação a gente do lugar. Os fatos e acontecimentos por ali simplesmente “não aconteciam”. Muitos anos-luz, outrora, distanciavam Brejo das Almas do burburinho dos grandes centros urbanos. Para se sintonizar com as novidades, tinha que sair do Brejo. As noticias lá chegavam a passos de tartaruga e o brejeiro, coitado, vivia ansioso pela falta de informação de outras plagas.
Tardes domingueiras, então? Meu Deus, quanta tristeza. Que tédio!
Os homens não tinham opção. Ou ficavam em casa cuidando dos passarinhos, olhando para o teto ou brigando com as crianças e com patroa, ou embrenhavam-se, de corpo e alma, nos incontáveis botecos de então, aonde afogavam literalmente, suas mágoas, desilusões amorosas, solidão e falta de perspectivas, na pior pinga brejeira de graduação alcoólica beirando aos 100º. Por ser ruim, assim como toda cachaça, era a mais barata ou era a pinga que o parco orçamento permitia degustar, ou melhor, engolir. Ao entrar o primeiro gole goela abaixo, o pouco juízo que tinham simplesmente saia pelas orelhas. E o brejeiro, enquanto suas pernas conseguiam mantê-lo de pé, soltava a língua. Não. Naqueles tempos não era comum se falar da vida alheia. O brejeiro, depois de alguns goles, esquecia-se de tudo e de todos. Sequer imaginava sua vidinha monótona, Severina e extremamente miserável. Ele ficava eufórico. Ficava rico. Contava vantagens. Tudo dentro de uma ingenuidade que beirava a legião dos anjos. Havia sim, alguns fanfarrões e muitos arruaceiros. Mas esses eram poucos e não duravam muito. Ao notarem o quão pacatos eram os “points” e sua gente, sumiam-se em direção a outras freguesias. E quando não tinham mais dinheiro para beber, penduravam a conta para um dia, quem sabe, quando Deus quiser, pagar. Quando já estavam embriagados procuravam, finalmente, o caminho de casa. No entanto, poucos a alcançavam. A casa, não obstante se localizar a poucos metros do bar, ou havia se deslocado do lugar aonde por séculos haviam estado ou simplesmente desaparecia como por encanto. É não era fácil.
Para aqueles que não se entregavam aos deleites da pinga, restava apenas “pescarem” alguma casa que tinha televisão, na época, só havia o preto e branco, e se oferecer para juntar-se aos familiares do dono da casa para assistir “Silvio Santos, vem ai. Há...Hai...Hu...Hui!!!
Como, é claro, poucas casas possuíam televisor. Não havia televisão para todos, e o brejeiro ficava, então, às espreitas de um homenzinho, moreno, baixo, meio gordo, com dois dentes de ouro na boca, que a qualquer momento, como num passe de mágica, poderia brotar de qualquer lugar, vindo de todos os rumos. Era “Zezim Tocador”, puxando seu velho fole, entoando musicas antigas e tristes acompanhadas sempre pelos latidos de seu cão vaza-mundo. Eram musicas como “tristeza do jeca”, “saudade de matão” e outras quinquilharias poéticas de nosso sentimento caboclo.
Todos juntavam-se a sua comitiva e só se recolhiam as suas casas depois de haverem percorrido todas as ruas do velho Francisco Sá, Brejo das Almas dos meus encantos. Éramos felizes e não sabíamos.
É...
Por vezes, não necessitamos de muito para sermos felizes...
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.