Enoque Alves Rodrigues
Subindo mais adiante em direção a serra do Catuni, antes de se chegar a estrada de Cana Brava, o viajante era presenteado pela mãe Natureza com vista panorâmica indescritível ao passar pelo que antes se denominava ‘vale das barrigudas ou paineiras”. São, para quem não conhece, árvores frondosas, de copas fechadas, que possuem estas duas denominações devido que a primeira se explica por seu caule grosso, podendo chegar a um metro de diâmetro, com grandes saliências principalmente ao meio dando-lhe o formato de barriga. Enquanto que a segunda denominação está respaldada no fato de que seus frutos, quando secos, liberam a paina, algo em forma de algodão, muito utilizada naqueles tempos para o enchimento de colchões e travesseiros. No tronco da paineira há uma incidência enorme de espinhos. Suas flores são brancas e róseas e os frutos aparentam a um mamão que ao contrário do mamoeiro, estes ficam pendurados nas galhas feito pinhas e não no caule. A árvore da paineira pode passar facilmente dos 15 metros de altura.
Depois do vale, caminhando um pouco mais se chegava ao “pé na cova”. Era um velho bar que ficava em frente ao cemitério do Brejo. Ali, não somente os bebedores contumazes mas muita gente importante do lugar ia para degustar a melhor pinga do sertão do norte mineiro. Para lá se dirigiam também nas altas madrugadas, boêmios vindos do famoso “Rancho da Lua” , acompanhados, muitas vezes, por Rogério da Costa Negro, que após pagar-lhes várias rodadas, retirava-se com a mesma fineza e educação de sempre.
Havia naquele bar pinga para todos os gostos e bolsos. Não me aterei as marcas que eram muitas mas as formas e modalidades de certas exposições que muitas dúvidas pairavam sobre minha mente infantil de antanho. Não entendia, por exemplo, porque razão a grande maioria dos fregueses daquele estabelecimento, muitos vindos de Salinas, Grão Mogol, Taiobeiras e outras regiões distantes, preferiam quase que sempre a cachaça, em cuja garrafa, branca e cristalina, repousava, à curtir durante sabe-se lá Deus por quanto tempo, uma longa e agora inofensiva cobra coral. Faziam fila para bebê-la. Enquanto as outras garrafas contendo frutas, raízes e outras iguarias eram moderadamente solicitadas, as com as cobras eram pedidas por berros desesperados:
-Zefa, cadê a branquinha, da coral que picou o coveiro que eu pidi procê há “meia hora”?
-Carma, Tonho, qui ocê me pidiu num faiz nem um minuto e eu tenho qui servi os outro tamém, home! Eu num tenho quatro mão!
-Dizia outro:
-Apusquê ocêis num trais mais povo pra atendê nóis, Diabo?
-Dá um tempo aí, Jazão, qui nóis vai atendê ocêis todo! Dizia a cansada e esbaforida Zefa!
-Cuma cana tão gostosa qui nun tem quem serve! Resmungava outro no canto do Bar.
Ao contrário das outras cachaças que eles, sempre antes de solver o conteúdo do copo, “davam o primeiro gole para o Santo”, costume este adotado até hoje em grande parte do Brasil e que consiste em jogar fora o que seria o primeiro trago, no caso da pinga com cobra coral eles não jogavam nada fora. Não ofereciam nada pro Santo, que, coitado, ficava muito triste e decepcionado!
Depois da bebedeira, de muitas doses de pinga com cobra, iam todos rumo ao Centro do velho Brejo das Almas e se embrenhavam nos cabarés e inferninhos de então.
-Nem mesmo assim, minha mente brejeira de pequeno infante conseguia assimilar os motivos daquela euforia toda. Tempos depois, o grande senhor da razão, se encarregava de me explicar: A pinga com cobra coral curtida dentro da garrafa era consumida à guisa de afrodisíaco, ou seja, era ela naqueles longínquos tempos o “Viagra dos pobres”.
Inté!
Enoque Alves Rodrigues é divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas e atua nas áreas de Engenharia Civil, Pesada, Obras de Artes, Montagens Industriais e Grandes Estruturas.
Visitem meu blog: http://enoque.rodrigues.zip.net/index.html
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