sábado, 6 de novembro de 2010

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ VII – UM BREJEIRO EM APUROS

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ VII – UM BREJEIRO EM APUROS

Enoque Alves Rodrigues

As coisas e as pessoas estão em constantes modificações. Assim sendo, o que não está melhorando, está piorando. A vida não é estática, é dinâmica. Dizia já naqueles longínquos tempos um grande personagem cuja historia se fundia com a de Francisco Sá, o velho Brejo das Almas.
No entanto, apesar de seu otimismo, mesmo confiante de que dias melhores viriam cobrir de êxito sua pobre vida, o que se via, na prática cotidiana era o cumprimento do último jargão de tão importante frase de efeito: sua vida piorava a cada dia. Os negócios no “Estica o Braço” não iam bem. De há muito que a freguesia, já escassa, fugira de seu estabelecimento. As coisas no velho Brejo das Almas efetivamente não estavam boas. As “marés dos mares de minas”, ou melhor, do lindo e caudaloso rio Gorutuba não estavam mesmo para peixe. A seca grassava grande parte do Brasil e o sertão das gerais, nesse caso, é o que mais sofria.
O que fazer? Como conseguir condições mínimas para dotar a si e a sua família brejeira do básico necessário para que não morressem de fome? Aonde é que foram parar os amigos? Os fregueses a quem, por diversas vezes vendera várias doses de Maria Rita na base do fiado?
Não. Não era possível que ninguém viesse a seu socorro! E lamentava: como é que pode? Sai da lavoura há muitos anos exatamente para não passar por isso. Montei esse bar com tanto sacrifício e agora, sem mais nem menos passo por esse eterno e interminável perrengue? Não, não me conformo. Parece até que é coisa mandada. Outros bares estão progredindo e aos poucos se mantendo. Mas o meu, não. É este marasmo. Ouve-se até mesmo a respiração das moscas a fazerem-me companhia.
Neuzão. Esse era seu nome, lamentava de um lado para outro no exíguo espaço interior que restava de seu Bar. Sim, o bar de Neuzão praticamente não possuía interiores. Lá só cabia ele próprio que atendia os fregueses, nos áureos tempos das vacas gordas, do lado de fora. Ou seja, o brejeiro sedento de uma caninha para afogar as mágoas, do lado de fora fazia seu pedido a Neuzão que lá dentro pegava a “mardita”, colocava no copo e aos sussurros pedia ao solicitante que esticasse o braço para receber o copo com a dita cuja de suas mãos. Era mais ou menos assim: O freguês chegava, subia em uma pequena saliência alta a guisa de soleira, punha a cabeça no nível da abertura da janela e sem mesmo conseguir ver a cara de Neuzão ia logo dizendo:
- Oh, Neuzão. Você está ai?
Lá do fundo, em meio a densa escuridão do ambiente, Neuzão respondia:
- “Tô, sim! Pode falá qui eu te escuito!”
- O que é que ocê deseja?
Bem, ouvindo dessa forma, qualquer vivente seria induzido a pensar que naquele boteco desprovido até mesmo de um interior, tivesse outras iguarias que não fosse somente cachaça.
- Desce ai, para seu amigo Firmino aqui que vos fala, aquela água que passarinho não bebe. Ou melhor, aquela cana que não brota mais.
- Ocê quer com jibóia ou sem jibóia? Perguntava Neuzão.
- Neuzão... Você está doido, homem? Esqueceu-se que eu sou solteiro? Cana com jibóia é só para homem casado. Homem que tem mulher. E eu sou solteiro de nascença!
- “Ah, ta bom, Firmino, dizia Neuzão, procê tem que sê mesmo cana sem jibóia porque senão ocê vai fazê bestera por ai. Vai acabá saindo daqui direto para a casa da dona...”
Enquanto falava, carregava o copo que uma vez cheio e pronto para a degustação miserável dizia para o interlocutor:
- Pronto, taqui. “Estica o Braço”.
Sedento, esticava o braço e de uma só vez solvia aquele liquido destilado em algum dos muitos alambiques da região do Brejo das Almas e dessa maneira, por alguns instantes sentia-se o pobre bebum transportado ao Paraíso por lindas carruagens de fogo, esquecendo-se, ainda que por pouco tempo ou enquanto durasse o efeito do álcool no debilitado organismo, da triste, cruel e despropositada vida sem nenhuma perspectiva de sucesso aparente, ainda que a longo prazo.
É...
Naqueles tempos bicudos o Brejo não era fácil.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.




 
 
 
 
 


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