sábado, 17 de julho de 2010

CENAS BREJEIRAS – IV – A CAMINHO DO BREJO

Enoque Alves Rodrigues

Ano de 1971. Acabava de descer na velha estação ferroviária de Montes Claros. Estava retornando de Belo Horizonte onde havia estado em busca de dias melhores, antes de definir os rumos que daria a minha vida Severina de jovem pobre, parca cultura e nível escolar beirando a zero. Anos difíceis e literalmente de chumbo, aqueles... sem quaisquer perspectivas de melhoras a curto prazo.
Saindo da estação do trem, cansado da enfadonha e interminável viagem, sentado agora, sobre minha pequena mala de fibra, onde trazia duas mudas de roupas, estava eu ali a observar a estátua do grande Ministro da Viação e Obras Publicas, o Dr. Francisco Sá, quando eis que surge do outro lado da praça, a Jardineira com destino a Cidade de Francisco Sá, ou Brejo das Almas, dos meus encantos, localidade de meu aporte. Saudoso estava da querida terra onde sempre voltava em busca de algum aconchego para o ego ferido por infrutíferas tentativas. Lá, apesar da curta permanência, por obras inexplicáveis a limitada sabedoria humana, encontrava a paz na medida certa e a carga exata para as baterias. Tinha que investir quantas vezes fossem necessárias até encontrar o meu rumo.
-Sentado ao meu lado, um senhor de idade já avançada, o qual trazia nos ombros um alforje de couro onde, dada a sua inquietude e preocupação, havia com certeza algo de valioso que o obrigava a manter o tempo todo, uma das mãos ocupadas, segurando fortemente ao fundo como se estivesse a conferir o seu conteúdo. Em uma das orelhas portava, à guisa de brincos, um pequenino galho de arruda. Olhou-me, fitamente, e como eu não correspondi, desviando o meu olhar para a paisagem do caminho onde já estávamos próximos ao rio verde grande, disse-me:
- De onde você vem, moço?
- Venho de Belo Horizonte, senhor!
- Uai, mas você não pegou a Jardineira na estação do trem, lá em Montes Claros?
- Perfeitamente, senhor, respondi-lhe: Mas quando peguei a Jardineira, havia acabado de apear na estação de Montes Claros vindo de Belo Horizonte!
- E para onde você vai? Você é do Brejo? Quem é sua família lá?
- Respondi-lhe: vou para Francisco Sá. Sou do Brejo e pertenço aos Rodrigues, cujo patriarca é o velho Liberato de quem sou neto. O meu destino final é a pequena fazenda Terra Branca, de sua propriedade, que fica depois de Cana Brava, lá perto do povoado de Vaca Morta!
Por alguns instantes aquele senhor do qual, até então, sequer o nome sabia, permaneceu estático. Olhar fixo no teto da Jardineira. Mudo...totalmente... Silencioso... Meditabundo... Irrequieto... De repente, frases monossilábicas e desconexas. Observava-o, agora meio assustado por não entender os motivos daquela repentina mudança de atitude daquele que supunha já um novo amigo. Nesse entrementes, fui surpreendido por frases agora inteligíveis como:
- Liberato??? Fazenda Terra Branca??? Aquele velho de barbas brancas é seu avô??? Eu não posso acreditar nisso!!! Fale, ai, moço, que isso não é verdade!!! O que é que você está fazendo aqui?
- Calma, Senhor. Qual é o seu problema com o meu avô? Ele é uma pessoa maravilhosa. Do bem...
- É por isso mesmo! Convivi por tanto tempo com o Sr. João Liberato, aquele santo homem. Vários eitos de roças tiramos juntos em nossa juventude. Sei com que luta ele conseguiu o pouco que tem. Como criou seus dez filhos e eu, como já lhe falei, apesar de ter vivido com ele por tantos anos não consegui assimilar quase nada de suas maneiras e hoje não passo de um “judeu errante”! Não tenho paradeiro... Toda a minha riqueza está dentro deste alforje e a minha sorte, acredite, moço, está neste galho de arruda que trago atrás das orelhas!
Mais surpreso e agora muito curioso, indaguei-lhe:
- Desculpe-me, senhor, mas poderia, nesse caso, me dizer o que há de tão precioso dentro de seu alforje?
- Sim, claro, como não? Trago aqui tudo o que consegui “ajuntar” durante toda a minha vida... e tirando do alforje um montão de moedas, mostrou-me.
- Pasmo. Mesmo sem querer lhe frustrar mas, por consciência, não poderia reter comigo tão importante informação, perguntei-lhe:
- Qual é o seu nome, senhor?
- Natanael Ferreira de Oliveira, seu criado! Respondeu-me.
- Pois é, seu Natanael. Mil perdões, mas quis o destino que coubesse a mim, desiludi-lo: Lamento lhe informar que estas moedas que o senhor trás ai em seu alforje a tantos anos e que acaba de me mostrar, não valem nada! Elas não passam de um monte de patacas de cobres enferrujadas, cunhadas que foram no ano de 1901. De lá para cá, muitas mudanças se processaram em nossa economia. De maneira que os cupins das inúmeras inflações as corroeram de forma tal que hoje, em 1971, é possível que o senhor não encontre ninguém que lhe ofereça um centavo sequer, por elas.
- Frustrado, ainda o escutei dizer:
- Moço, não posso acreditar no que me diz. Esse dinheiro é o resultado da venda de uma grande manada de gado que meu pai fez e o que está comigo é a minha parte da herança.
- Mas quando foi que o senhor recebeu esta herança, seu Natanael?
- Foi no ano de 1902!
- Ah, bom... Está explicado!
- Por vezes é melhor usufruir de alguns segundos de felicidade na vida do que deixar que os mesmos se convertam em pó. Não existe vento favorável para quem não sabe aonde quer chegar.
Inté, meu povo.
Enoque Alves Rodrigues é divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas e atua nas áreas de Engenharia Civil, Pesada, Obras de Artes, Montagens Industriais e Grandes Estruturas.

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