CENAS BREJEIRAS – III - A NOITE DO BREJEIRO AUSENTE
Enoque Alves Rodrigues
Enquanto Firmino finalizava sua fala, por sinal, muito decepcionante para todos nós que o rodeavam e que esperávamos que fosse verdade o que acabava de nos relatar sobre tantas facilidades em conseguir o almejado sucesso em tempo tão curto, outros “brejeiros ausentes”, preparavam-se para nos brindar com seus lindos “causos”, mas que a partir do que nos fora antes contado por Firmino, certamente não iriam nos causar maiores impactos ou surpresas. Estávamos, todos, a partir dali preparados para o que desse e viesse.
Foi assim que Cráudio, fio da dona Marta, (Cláudio, filho da Dona Marta), de posse de seu novo sotaque, o carioca, se aproximou mais da roda e já com alguns quentõezinhos na cuca, deu inicio as suas infindáveis cantilenas de vantagens lá no Estado do Rio de Janeiro, ou melhor, na Cidade de Volta Redonda.
-Lá, sim, dizia ele, é que é lugar de a gente viver. Não falta nada! É só querer trabalhar que o sucesso logo vem!!! Foi assim comigo e com uma dúzia de brejeiros que me acompanharam, mas que não quiseram vir desta vez para a Noite do Brejeiro Ausente por estarem muito atarefados lá no Rio. Eu estou aqui, de certa forma, representando eles, pois não seria justo deixar passar as festas de Setembro no Brejo sem que nenhum de nós pudesse estar "presente" na Noite do Brejeiro "Ausente".
-Uái, Cráudio, disse-lhe Marcolino, filho da Dona Nana da quitanda: Mais o que é que eles ficaram fazendo lá no Rio? Que trabalho é este que não permitiu que eles viessem festejar com a gente as comemorações mais importantes do Brejo das Almas? Você sabe moço, que o mês de Setembro é muito mais importante para nós brejeiros até mesmo que o mês de Dezembro quando se celebra o Natal e Ano Novo?
-Pois é, respondeu Cráudio: eu sei muito bem disso, mas o que eles ficaram fazendo lá é muito mais importante que qualquer festa ou comemoração. Eles ficaram contando o dinheiro do pagamento que receberam na Usina. É que neste mês devido a um problema na Usina, todo o mundo teve que trabalhar dobrado e a conseqüência disto tudo é a grande “bufunfa” que eles agora são obrigados a contar. –Lembrando-se que naqueles tempos o soldo não era creditado em banco, mas pago diretamente ao empregado dentro de envelope-.
-E você, Cráudio, também não trabalhou dobrado na Usina? E onde está o seu dinheiro? Quem está contando para você? Perguntou-lhe, Manoelito de Vaca Morta.
-É simples:
-Como eu já disse, não poderia deixar de vir. Assim eu deleguei a dois colegas meus de lá, que não são brejeiros, para receber o meu pagamento e contar para mim!
-Mas você ta louco, Cráudio! Aonde já se viu isto. Deixar nas mãos de estranhos o seu dinheiro? E o pior: Nem brejeiros são!
-É ai que você se engana, Manoelito: Lá não tem disso de alguém passar a perna nos outros, não! Sabe porque? Exatamente porque todo mundo lá tem dinheiro mais que suficiente para sequer pensar em ficar com algum que não lhe pertence!
Dizendo isto, para surpresa de todos que o rodeavam, arrancou da guaiaca um pacote com mais de mil flores de aboboras emboladas (notas de mil cruzeiros da época cujas cores eram amarelas).
Atônitos e embasbacados ainda fomos brindados por uma “experta” ironia ou seria um simples gracejo pronunciado no mais autêntico sotaque carioca por aquele "novo rico" brejeiro:
-Se querex ficar aqui chorando mitseriax, ox problemax são de vocêx. Se ao saírem daqui, pegaram o ômnibux errado para outra localidade que não o Rio, ainda há tempo de corrigir o perrcurxo. Lá é como eu falei...A guaiaca cheia não me deixa mentir. Carioca é gente boa, cerrto? Agora é com vocêix. Eu lá consigo trampox pra todox. Podex creer!!!
-E!
Dessa vez era verdade! Quem diria?
Por vezes, a linha imaginária que separa a ficção da realidade não é tão robusta quanto parece.
Inté, meu povo... Um grande abraço.
Enoque Alves Rodrigues é divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas e atua nas áreas de Engenharia Civil, Pesada, Obras de Artes, Montagens Industriais e Grandes Estruturas.
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