domingo, 5 de setembro de 2010

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ III - DEMÓSTENES VENTURA

Enoque Alves Rodrigues

Ao contrário de seu sobrenome, Demóstenes Ventura andava mergulhado numa tremenda onda de azar. Ele residia ali na Praça Joaninha Pena, Centro de Francisco Sá, nosso querido Brejo das Almas. Trabalhava lá pelos lados do Catuni, onde era vaqueiro além de colaborar com as plantações de milho e alho. Sua esposa se chamava Ana, filha do velho Valdomiro Papudo, um dos contadores de causos da Francisco Sá de antanho. Tinham seis filhos, todos menores de dez anos o que indica ter o casal começado cedo sua longa prole.
Sem maiores delongas, há que se ressaltar que a sorte realmente não lhe era companheira. Jamais antes houvera lhe dado sequer um amarelo sorriso. Fugia dele enquanto ele a perseguia implacavelmente.
Se plantasse, por mais que fosse a terra fértil, não colhia. Se jogasse na loteria, ainda que comprasse todas as combinações, não ganhava. Era o azar em forma de gente.
Não, aquilo não poderia continuar assim. Ele teria que dar um jeito naquela sua vidinha monótona, sem graça e sem sorte! Continuaria lutando no sentido de reverter essas mandingas.
Naqueles tempos, a única loteria que existia por aquelas bandas do norte das alterosas, era somente a centenária Loteria Federal do Brasil, que era vendida por cambistas no lombo de cavalos, após percorrerem várias léguas sertão á dentro ou, principalmente, dentro dos velhos trens da antiga EFCB ou RFFSA que seguiam de Montes Claros a Monte Azul, uma das ultimas paradas para se entrar na Bahia. Havia um cambista que era muito conhecido no Brejo, de nome Gasparino, que me parece era ele o responsável por “semear a sorte grande” nas regiçoes do Brejo, Grão-Mogol, Salinas, Taiobeiras, São Geraldo, etc.
Foi ai que Ana, esposa de Demóstenes teve uma idéia:
-“Demoste” - assim ela o chamava, não conseguia finalizar a pronuncia correta-, “apusquê ocê num vende a porquinha e compra tudo de biete de loteria? Amanhã é o dia do Gasparino vim. Ieu sonhei desde antonte que desta veiz vai dá porco na cabeça e o numero é o 36471.Vende a porca, home, e compra tudo de biete...Vai sê batata. Pode acreditá!”
-“Vai tomá banho na soda, muié!!! Adonde já se viu fazê uma bestera dessas? Se eu trabaiando como um doido não consegui ate agora arguma coisa, pusquê seria que eu mudaria nossa vidinha com jogo. Ainda mais arriscano tanto dinheiro?”
-“Tô te falano, home, vende a porca e faiz o jogo com o Gasparino. Ocê vai vê. Vai sê batata. Num tem como num ganhá. Meu sonho num fáia. Vende e joga logo, peste!”
Não teve jeito. A grande convicção de Ana acabou por balançar, sobremaneira, as estruturas emocionais de Demóstenes. Outra opção não lhe restou senão a de fazer o que Ana insistentemente lhe recomendava.
-“Vô vendê essa mardita porca e vô fazê o que essa megera manda!”
Só que ai surgiu um grande problema: enquanto ele não decidia, a porquinha que não era besta nem nada, torceu o rabo e deu no pé. Queimou o chão, ou melhor, escafedeu-se rumo a Salinas. No dia seguinte, Gasparino, o Cambista, passou como de costume no casebre de Demóstenes e, ironia do destino, pôs-lhe às mãos exatamente o bilhete tal qual Ana havia descrito. Pobre Demóstenes, por mais que insistisse, Gasparino não lhe vendeu fiado. Recorreu a vizinhos, mas nada conseguiu. No desespero, contou o sonho de Ana para Gasparino que num sorriso sarcástico disse-lhe: agora não vendo este bilhete nem pelo dinheiro de 100 porcas. Ele é meu!
No dia seguinte, pelo Rádio, veio o resultado: Atenção Senhoras e Senhores. A Rádio Nacional do Rio de Janeiro informa o resultado da Loteria Federal do Brasil: primeiro prêmio 36471. Segundo informação da Caixa Econômica Federal este bilhete foi vendido no norte das Minas Gerais, ou precisamente na Cidade de Francisco Sá. Boa sorte ao feliz ganhador e que faça bom proveito dessa grande fortuna!
É...
Por vezes, a sorte é como um cavalo arriado: se você não se jogar na hora exata, bate com os fundilhos no chão. Nem sempre há tempo para se pensar.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

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